sábado, 14 de abril de 2012

Ó Pá, Eu Não Tenho Nada Contra Mas...

A quantidade de preconceito e discriminação capaz de assolar o ser humano parece não ter fim. Estou convencida de que o povo português não está muito menos preconceituoso hoje do que há umas décadas atrás. O que acontece é que, agora, parece mal ser-se assim e, então, as pessoas fingem ser "abertas" e "tolerantes". Daí que só de vez em quando seja possível ouvir um "eu não sou racista mas..." ou "eu não sou homofóbico mas...".  É-se nobilíssimo pelo simples facto de conseguir aceitar alguém que seja ou leve a vida de uma forma diferente. 
No que toca a preconceito, apesar todo o tipo ser inaceitável, é-me acima de tudo difícil compreender discriminação que se prenda com algo que é inerente à pessoa, nomeadamente, genes. É mau ver uma pessoa mal vestida e julgá-la delinquente, mas, para mim, é pior ainda tirar essa mesma conclusão a partir do tom de pele ou da nacionalidade. A pessoa nasce assim, certo? Tudo o resto é mais ou menos possível de escolher ou alterar mas, o fenótipo e a origem, não há hipótese.
E a cada vez que alguém se sai com um comentário infeliz logo seguido de um "ó pá eu não sou xenófobo" eu só consigo imaginar essa mesma pessoa, num cenário há uns séculos atrás, numa qualquer senzala das muitas que em tempos existiram a chicotear umas costas negras, só porque sim. Ninguém me tira da cabeça que quem é capaz de, hoje me dia, nutrir algum ódio a outras raças e modos de vida, se tivessem vivido há largos anos atrás seriam as mesmíssimas a assistir, sôfregas por sangue, a autos-de-fé (porque se uma mulher anda constantemente com o cabelo despenteado, logicamente, será uma serva do demónio) ou a ser, altivamente, carregado às costas de um escravo, vila fora.
Infelizmente, anos, lutas, mortes e tanto activismo depois, se olharmos cuidadosamente, para lá da superfície mais imediata, é fácil de perceber que, no fundo, não houve assim tanta evolução. Afinal de contas, com que frequência é que ainda se ouvem piadas de mau gosto como "Então, sempre vamos contratar uma ucraniana*?". Ó pá eu não sou a favor da violência mas... Em certos casos, parece-me tão propositada.




Nina Simone - Turning Point



See the little brown girl
She's as old as me
She looks just like chocolate
Oh mummy can't you see


*Ucraniana = empregada doméstica. Fonte: uma colega, estudante universitária de 21 anos que, curiosamente, tem familiares emigrados em França.


   

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