quinta-feira, 30 de agosto de 2018

A Memória - Etérea, Nebulosa, Intangível.


Sem ser só
Nem ser sei,
Serei
Somente o pó
De onde andei.

Se eu nunca pus
Os pés no chão
Sobrevoei, só.
Então,
Porquê poeira a levitar?
Que adensa o vento,
Sufoca o ar.
Se eu não a pude levantar,
Por onde andei
Quem o pisou?
Ao chão que a mim nunca tocou
Tão leve, breve se caminhou
O caminho que me formou.
Esse etéreo trilho na memória
Evanescente.
Estivesse ele
Agora em frente,
Oh, estivesse ele aqui em frente
Para ser sofrido
Com prazer.

Quem teve sede
Vede bem,
Não a saciou ninguém.
Foram copos e copos de nada, em rodadas intermináveis.
Foram afogamentos enxutos, de nadadores hábeis.
Foi uma enorme bebedeira dos sentidos.
Foi o que foi.
E no fim, nada.
Nem a ressaca nos sobrou.
Só a confusa amnésia.

Uma pele beijada, sem lhe tocar.
Os sabores, sorvidos, num só trago.
Foi um perfume intenso, descrito num livro.
Foi uma história mesmo muito bela,
Acho eu.

É pérfida esta leveza,
Beleza incorpórea
Mal embalsamada
Sem conservar a aspereza
Tampouco as marcas da abrasão.

No fim é uma plenitude de vácuo. Um porte forte, um peito feito a expandir na escuridão. Sufocado sem obstáculos, sem constrição. Em salvas, a agonizar inaudivelmente. Nem ar, nem som, nem mais nada.

É só um peito
no vazio
a aspirar.