sábado, 8 de fevereiro de 2020

Quis Ser Infinito

Quis ser infinito
Quis ser uma semi-recta
Quis ser eterno
estender-me para sempre
e mais um pouco.
Quis vencer a morte
Cruzar o limite do silêncio
e continuar a falar.
A minha voz 
A falar
A falar
A falar
Ou um eco (eco eco)
Ou eco de eco (de eco de eco eco)
Dela.
Da minha voz.
A ouvir-se por aí, para além do tempo.
Tentei esticar-me. Dedos dendríticos como raízes, a infiltrarem-se para lá de mim no mundo.
Medo!
A ânsia de abarcar cada vez mais não é senão o sintoma do medo,
é a súplica de ter onde fincar as unhas
quando formos inexoravelmente puxados para a sombra.
Tentei ser poeta. 
Tentei fazer a música. Metafórica e real. 
Tentei descobrir algo. Descobri que é difícil.
Tentei ser bom.
Mas nem a minha poesia, nem a minha música, nem as minhas boas ações se pareciam reproduzir e assegurar uma descendência infinita.
Tentei loucuras:
com os resultados que se conhecem.
Tentei amar
Tentei que me amassem.
E os objectos do amor também eram mortais e finitos.
Então quis conhecer Deus.
Chegar à beira dele. 
Falar - lhe
em canal directo e privado — Iluminado.
Quis mostrar Deus — Profeta.
Até que quis ser Deus.
Tentei destilar-me.
Fugir à diluição a que se resume a minha individualidade entre oceanos de individualidades.
Quis purificar esse extrato
Puro
Precioso
Valoroso
que eu sei ser.
Só não vi bem ainda em quê. Nem ninguém viu. Mas eu sei que está lá.
Sinto-o tão bem, tão nitidamente, quase se vê, à luz do meu viés egocêntrico — oh, qual farol! 
Purificar e perpetuar essa fragrância, que o mundo tem direito a usufruir. Que é até imoral se não a der.
E só quando concretizei o esforço de chegar cada vez mais perto dessa minha essência é que percebi.
Era uma caixa, e dentro dessa caixa uma outra caixa, e dentro outra, e aí outra ainda, e aí dentro outra sequência como esta, e mais uma volta, e finalmente na última caixa:
nada.
E nada não dura. Muito menos para sempre.

Mas nada é o denominador que compõe o infinito. E o infinito não existe senão numa conceptualização, abstracta, quimérica, na mente de seres efémeros como eu.

Eu sou o que divide por zero.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Metanálise da Morte

Morremos sempre sozinhos.
Uma mão dada têm os afortunados, na hora última, a aconchegá - los.
Estão sozinhos na mesma.
Podemos viver com companhia, por vezes. Mas morremos sempre sozinhos. Podemos ter alguns corpos, físicos, a acenar do cais. Chorosos lenços de adeus erguidos ao vento. Mas no navio, de mão dada com a solidão, não vai mais ninguém. A travessia fazêmo - la sozinhos. Em terra ficam, os que ficam em Terra.
Não importa a que resquícios físicos achemos que nos agarramos. Do outro lado não há matéria que se leve. Nem notícias que se tragam.

sábado, 1 de fevereiro de 2020

O Pouco Tempo que o Tempo Tem

Sabe-se que a vida é curta porque estamos sempre a ter de partir demasiado cedo e sempre a chegar demasiado tarde.