quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

No sentido ao lado

Há quem veja numa guitarra o corpo de uma mulher

Isso para além de ser um salto modesto

tem o verbo errado.

Não é ver.

É ouvir.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Sociologia de trazer por casa

Nasci em Marco de Canaveses, terra pequena, não tinha cinema, nem teatro, nem concertos. 

Na minha turma havia três mulatos e uma menina com trissomia. Ninguém nunca lhes chamou nomes por isso. A dona do meu infantário era negra, tia de uma colega minha, eu não a achava diferente, achava-a mais morena. É assim que eu sei que não nasci racista, é uma coisa que me vai acontecendo, uns pensamentos que entram sem querer. 

Fiquei admirada quando o Rajesh me contou que, criado em Lisboa, nunca teve amigos na escola, que todos eram maus para ele, inclusivé um ou outro professor.

Ele é francamente normal para quem não teve amigos até à faculdade. No Marco talvez ele fosse exótico e isso lhe garantisse um grupo de amigos no recreio. Em Lisboa ele não encontrou amigos, e em Lisboa há teatros e museus.

sábado, 5 de dezembro de 2020

Os olhos em que vão

 Os olhos em que vão

                            estas imagens

são cegos

        por dentro.


Os olhos em que vão

                            morrer

                                    estas imagens

são mudos

           mudos.


Os olhos em que vão

                        passando depressa

                                    estas paisagens

as bermas de estrada

          a cadência dos postes

                   a calçada incerta

                            as fachadas

                                   cada porta

caminham rápido

        passada larga

nervosa e contemplativa

        (dá para ser?)

             (dá, mas gera angústia)

Esses olhos

      são uma porta

           fechada

               sem querer.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Jasmim

Jasmim,

és só um nome

não és uma flor

és um nome de flor.

Não sei como és,

não sei a que cheiras,

e se sei

não sei saber.

Se eu já te vi

jasmim,

foi então bonito

jasmim,

porque te vi só a ti,

sem o teu nome,

sem mais nada.


Já fomos livres

jasmim,

se calhar.

Tu eras só flor,

eu era só ver-te.

    Livres.

        Anónimos.