quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

tempo, tempero e temperamento

hoje o ar está turvo
e as cores desbotadas
e o sítio onde me curvo
é:
feio
frio
asqueroso
e eu sou:
solitário
risível
gasto 
cansado
depletado
do que nos completa
e este poema é:
fruto
indissociável
dessa condição.
e a aura que eu cuspo
em letras
não pode ser mais leve
quem me dera a mim!
pudesse eu andar esticado, hiperextenso como a proa de um barco!
mas hoje está mau tempo
e eu sou um ser humano
sensível
às alterações meteorológicas.
A humidade vem imperceptível
estando o tempo para mudar
e já me doem as juntas do esqueleto
da alma.
os humores do tempo
sempre se fizeram sentir em mim.
O frio por exemplo é uma condição que muda um sujeito.
e a identidade será uma merda tão fraca
como uma tabuleta de direções que gira com o vento
e portanto está, quase sempre, a apontar o erro
recomendando-o.
e o que é isso afinal,
da identidade?
algum fio que me defina e ao qual eu deva alguma obediência?
e se me apetecer 
a cada novo dia
ser exactamente o contrário do que me definia ontem?
e se quando isso me definir
me apetecer ser o mesmo por dois dias
só para também por isso não ser definido
ou identificado?
um anonimato último
em que nem eu saiba quem sou.
que não sei!
também nunca mo ensinaram
nem eu quis aprender.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

sou-dade

sou-dade
e nem sei do quê.
ser dado sem ter uma causa
ou ter tido e já nem me lembrar.
só dá de noite algum descanso
sempre quando o sono vem
sondando e, súbito, ataca.
sem dar de mim fé
sou levado
e lá é que se está bem.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Passarinho

Penso essa hora
E não me assusto
Por achá-la longe
Por saber-te robusto,
Por sentir-te longe
Desde sempre.
Sempre longe
- Adivinhava.
É o para sempre
Agora,
Ao ires embora,
Que custa,
Como não achava.

E não estava muito errada
Porque não te lembro por tudo
E por nada,
Só quando uma japoneira
Espreita de um muro
Para a estrada
Me penso à tua beira.

É quase nunca
E quase nem é
De tão leve.
Esta leveza pesada
Qua faço com ela?
A raiva é danada
E não me serve,
Por te conhecer feliz
Como é raro -
Não por curteza.
Por insolência
De não te seres contrário -
Com bendita certeza,
Consciente do mundo,
Assombrosa a beleza
Que absorveste, profundo.
No ruído
E entre o buliço
Tu
Foste,
Sempre,
Só isso.

Tinhas, pois, afazeres.
Bom que fizeste muito,
Isso serve-me um bocadinho
Que servisses o teu intuito,
Livre para correres.
Que nunca se prenda
Um passarinho.

Não me serve o que diz,
Gente que vai e vem,
De ficares querubim
Não sei do que falam
Vejo-te um arbusto
E não percebo latim.
Não vejo tão profundamente.
Mas se te encontro em mim,
Serve-me um bocadinho
Que voes um pouco em nós,
Vetusto.
E, como sempre,
- Nisso consigo ser crente -
                                                           Prossigas noutra gente.


sábado, 9 de fevereiro de 2019

quatro voltas

quatro voltas
bem redondas
para fugir a uma obrigação.

ir de encontro a nenhum lado
por atalhos apertados
que não prometam senão
ineficiência.

um ar que espelhe na cara
uma receita bem nivelada
de cansaço e desesperança.
que traduza o esforço de fazer que se faz,
mas que se leia como a estafa de quem já muito fez.

que o estouvado é também
um homem dedicado!
mas a uma outra missão.