sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Espelho Mágico, Espelho Meu

Ele Fala Pelos Cotovelos Porque Sempre Morou Sozinho, Mas a Rosa Não Faça Caso

O escritório, quase tão imaculado quanto a cozinha e a saleta, não fosse por uns papéis espalhados e aparas de borracha branca na secretária, não requeria os seus serviços, de primeira categoria que, aliás, referências não lhe faltavam e, por isso mesmo, tantos vizinhos a tivessem recomendado ao Senhor Doutor, mas naquela casa tão pouco usada, Rosa ficava sem saber como ocupar-se.
Atrás de si, o Dr. Osvaldo relembrava que a Rosa está à vontade, eu ando sempre por aqui, se precisar de alguma coisa, é dizer. 
A mulher agarrou-se a sacudir o pó dos livros das estantes e de um ou outro bibelot que se lhe atravessasse no caminho. O dono da casa sentara-se à varanda a contemplar os transeuntes, de olho na rua e com o ouvido na Rosa, lamentou que Sandra tivesse querido ir embora. Já me tinha habituado a ela, sabe?  Uma pessoa afeiçoa-se. E parece-me que não pensou bem, quis casar-se, naturalmente, mas disse-lhe que se mudassem os dois para cá, é uma casa tão grande, cabiam perfeitamente, mais os pequenos que haverão de ter, se Deus quiser. Foi teimosa! 
Rosa anuía, distraidamente, sacudindo as almofadas do cadeirão. O homem tentava acender o cachimbo não obstante o vento que lhe frustrava a combustão dos fósforos. Com a primeira baforada, indagou se o marido de Rosa era pessoa que apreciasse uma partida de xadrez, ou de bridge, por vezes falta-nos o quarto elemento para as cartas. O Coronel do quarto traseiras e o neto são amantes de jogatina e, ocasionalmente, batem-me à porta, ao fim da tarde, quando o rapaz chega das aulas. De maneira que, se ele gostar, é só aparecer, escusa de se sentir na obrigação de trazer seja o que for, aqui nunca faltam umas cervejas e uns pistácios, se gostar de uísque também tenho uma série de garrafinhas que me foram oferecendo, ao longo dos anos, lá na Relação. Por colegas e amigos só, nada de ofertas nubladas que a mim nunca me untaram as mãos, e poucos foram os que se atreveram a tentar, por conta da minha renomada retidão. Poucos se poderão gabar como eu, bem pode perguntar por aí. Portanto, se o marido da Rosa achar piada, não faça cerimónias, nem vermute lhe faltará que o Coronel costuma trazê-lo lá de cima, também. Ele aprecia bem mais do que eu, que só bebo, cordialmente, quando tenho companhia. Agora, a mulher do Coronel já me confidenciou, a pobrezinha, que ele não tem restrições de espécie alguma, qualquer hora do dia lhe parece boa para encher o copo. Esses homens que andaram na guerra nunca estão, no âmago, em paz. Por muito bem-dispostos que se apresentem. Sempre há uma chispa que lhes acorda a memória. Graças ao Altíssimo que nunca calhou de eu chumbar em Coimbra e que nunca me tenham despachado para as Áfricas, com a espingarda numa mão e o rosário de minha mãe na outra. Se lá tivesse posto os pés, Rosa, e visto metade do que aqueles desgraçados viram, não morava aqui sozinho, agora que me aposentei, tinha voltado para a aldeia, ainda lá está a minha irmã mais nova, ela tomava conta de mim. Mas eu tenho uma cabeça sã e muitos amigos por cá que me querem bem, de vez em quando ainda nos juntamos para almoçar ou quê. Mas eu não me preocupo, se um dia a saúde me falhar, a Sãozinha cuida de mim, ela põe-me o creme nos joanetes como ninguém, sem fazer cócegas, e fá-lo de bom grado, é boa moça e eu sempre fui bom irmão, há anos que lhes trato do IRS, que eles com contas não são muito certos. Em casa da Rosa quem trata?

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Pendular

     Ainda com a sensação da almofada de flanela no rosto e a estridência do alarme do despertador a tinir no ouvido, Laidinha trota pelo passeio, desengonçada como só tu, acusaria o paizinho se a visse, naquela madrugada de inverno, a entrar na relojoaria. Era deselegante, não por ser anafada, não por ter os membros revestidas a gordura, triplo queixo e barriga flácida, era deselegante, por pura deselegância. À saída das entranhas da mãe, logo perdeu o centro de gravidade e o norte do juízo. Ainda jovem e magra já desengonçava rua fora e tropeçava chão abaixo. Desgraça explícita do paizinho, vergonha dissimulada da mãezinha.
     A chave na fechadura não cumpre o seu papel, cansa-lhe a mão e acorda a tendinite latente, que lá desce desde o ombro para estalar, agudamente, no pulso. Pousa as sacas no chão molhado e dedica-se, exclusivamente, a garantir que insere a chave certa e que exerce a rotação devida, como o Sr. Carlos lhe explicara. Não queria acordá-lo de propósito, àquelas horas, abre-te lá maldita! Abriu. Dentro da loja o ar está ainda mais frio que lá fora, Laidinha fricciona os braços e as mãos e acredita que aquece, é uma rapariga fácil de convencer.
     Luzes ligadas e tudo a postos, não vá alguém, por engano, aparecer e demorar-se, de barriga prostrada sobre o balcão, Laidinha começa a puxar o lustro aos relógios da vitrine. Não há vivalma na rua, se houvesse também não se veria através do nevoeiro cerrado, mas já sente o cheiro a estrugido da tasca, essa sim com fregueses em abundância, abundados em vinho tinto e pigarro, amiúde cuspido para o chão, amiúde cuspindo uns nos outros, porque é assim que se resolvem as escaramuças. 
     Laidinha não se metia com esses homens, há mais de 50 anos que aprendera a não se meter com os homens buliçosos do outro lado da rua. Laidinha, de mamas espalhadas sobre o balcão, puxava lustro aos relógios, ao ouro e à prata. Quando se cansa, entretém-se com o corta unhas, que desde pequena que os seus cabelos e unhas crescem rápido e tem de estar atenta. As unhas não podem chegar ao branco e o cabelo, agora branco, está sempre certinho ao nível do maxilar para não dar trabalho a lavar. Estes hábitos houveram sido incutidos pela mãe, mas Laidinha não se lembrava, talvez os achasse regras universais, ou talvez não achasse nada, rigorosamente nada, que não era rapariga de achar muita coisa. 
     Sabia que lhe cabia limpar a mercadoria, especialmente em dias de feira - costumava esquecer-se desses dias, mas agora tinha-os todos rodeados no calendário. Limpar a mercadoria e a loja era com ela, mas compor as máquinas não, não te atrevas a tocar na maquinaria, minha santa, desconchavas-me isto tudo e é o cabo dos trabalhos para reparar, os consertos são comigo! Sim paizinho, são só consigo. Não paizinho, já nada é consigo, há-de me perdoar, mas a dois metros da superfície onde andamos já nada é consigo, nem ir ao quiosque comprar o jornal, nem a sueca aos sábados de manhã, nem contar a caixa ao fim do dia, nem gritar comigo por dar mal os trocos, nem resmungar com a mãezinha por lhe ter dado uma filha burra, nem reclamar com o Sr. Carlos por encobrir as minhas asneiras. A propósito, é ele agora, paizinho, agora é o Sr. Carlos a reparar os relógios todos, deixa-os tão certinhos como dantes, o mesmo tic-tac metálico, a mesma rotação de ponteiros, na mesma direção do costume e até as horas são as mesmas, consigo ou sem si. As horas são as mesmas para o relógio de cuco na parede e para o relógio no meu pulso, que não trabalha sem a pilha que me esqueço de substituir, mas que de outra forma diria a mesmíssima coisa para a qual foi fabricado, é o que fazem as máquinas. Até para os bêbedos à espera do pequeno-almoço, a hora de hoje é igual à hora de ontem, sem tirar, nem pôr. Mas para mim, elas parecem crescer, achar não acho porque não sou grande coisa a pensar, mas sinto que as horas de hoje demoram mais a acabar do que dantes. Dantes a mãezinha estava aqui, na cadeira atrás do balcão, a falar para mim, a cantar em sobreposição à voz do rádio, a tecer-me camisolas para o inverno e eu nunca tinha frio, a dar-me biscoitos de limão e cevada para o lanche e a achar-me bonita. 
     Lá fora não passa ninguém, quando passar estará a caminho de algum outro lugar que Laidinha desconhece, com certeza para lá do caminho entre a sua casa e a loja. Podia ter ficado a dormir até que o sol a acordasse, mais suavemente que o despertador, mas Laidinha não sabia, porque a mamã fora-se antes de lho revelar. 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

9 em Cada 10 Vezes, é Mesmo Só Ar




Intervalo que envolve, 
quilómetros a perder de vista,
ou ténue vidro embaciado, 
o que tem é tão espesso 
e denso, ele absorve
(ou vazio, incomunica),
toldando o lá 
avistado de cá.

Passado tumultuado, 
em contínua fuga de si
mantendo-se a par,
ligeiramente atrasado, 
ligeiramente adiantado, 
experimenta caminhar.


Indo em ar próprio, 
sobre próprio chão, 
segundo a quebra de paradigma, 
faz-se e existe.
Faltando o molde, 
não há despiste.
Livre, desenvolve. 

A cortina eterniza,
mas
diáfana quanto pode, 
sem tua ênfase, 
é uma brisa.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Versar as Mais Íntimas Aflições

Sempre que o bolso
do casaco
me devolve um gancho,
há um um brinco
que me cai,
pelo ralo abaixo.

Sumiu-me o batom
do cieiro,
fui comprar um igual,
o lábio inferior já gretado,
e aquele primeiro,
rolou detrás do candeeiro,
em excelente estado.



     Houvera um armário
     de infinitas gavetas,
     onde um objeto,
     em cada uma,
     metas.

     Na primeira,
     um índice
     das posições,
     prevenindo este vórtice
     de perdas
     e repetições.

     Oh, pudera eu
     guardar
     no meu braço,
     todo os totós do cabelo,
     tão menor o cansaço,
     de buscá-los
     noutro mundo paralelo.


quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Não Falo Estrangeiro


Resultado de imagem para asterix e obelix

Anita vai às aulas de informática ouvir falar sobre a história do Linux, MULTICs, Unix, Posix, Atérix, Obélix, Panoramix... É difícil manter a cara séria, nadando num lago de siglas, uma pessoa agarra-se ao que pode. 

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

In den Gärten Pharaos



Perdidos por entre as ervas.

Zheng Yiqiang

Continua a cintilar, seu diamante doido. 





segunda-feira, 12 de setembro de 2016

And I Always Sleep With My Guns When You're Gone

#ongoingmeltdownseries



There's a shark in the pool
And a witch in the tree
A crazy old neighbor and he's been watching me
And there's footsteps loud and strong coming down the hall

Este Estado de Modorra Só Pode Culminar em Hecatombe


Senhora Dona Cândida saltou os bons dias essenciais para não interromper as suas lamentações que haviam começado ainda antes de ter transposto a porta. A Senhora Dona Cândida não tem uma alegria na vida há uma ou duas décadas, assim à vontade, sem exagerar. O senhorio teima em querer despejá-la, custe o que custar, da casa onde vive desde sempre. Onde foi tão feliz com o marido, tão bom homem, que Deus o tenha. Para construir mais umas quantas lojas e mais uma residencial ou lá como lhe chamam agora.
Um hostel, Dona Cândida.
Agora, com a minha idade querem pôr-me na rua, e vou para onde, quem me diz? Nunca lhe faltei com a renda, não tem razão de queixa de mim. A minha tensão disparou, anda nos píncaros, ele há-de matar-me antes de mais nada. Primeiro, disse-me que me mudasse para uma casa para senhoras da minha idade, em Queluz, imagine! Diz que trata de tudo e lá estarei bem melhor, com gente que olhe por mim. Que todas as tardes nos sentam a pintar florzinhas e vemos filmes do Vasco Santana, aos domingos, intercalados com a ginástica. Alguma vez! Um dia também há-de ser velho e estimo que o tratem da mesma maneira. Disse-lhe isto, assim, na cara. Ele riu-se. Mas eu teimei que não ia para um mortuário. 
Agora, lembrou-se de me juntar a um velho, mais velho que eu, acabado, quase defunto, que mora onde Judas perdeu as botas - um largo mimoso, diz ele. Uma mulher decente obrigada a ouvir estes impropérios. Ai que a Dona Cândida vive tão sozinha, estava tão melhor com alguma companhia, a casa é bem jeitosa, grande, com três quartos airosos. Não pense que têm de dormir na mesma cama. Nada disso, o senhor só quer alguma companhia, nestes últimos dias. A pensão dele também não é miserável. E piscou-me o olho. 
Já viu a minha  desgraça, desrespeitada com esta minha idade.
Não sei quanto tempo mais a velhota se demorou a enunciar desgraças aos meus ouvidos gastos, mas eles desconectaram-se da minha atenção e os meus olhos desfocaram, concentrada no meu sofrimento, num plano para escapar dali. Prestes a rebentar, deliro com a imagem de mim própria a injuriar cada um deles, tão alto quanto a capacidade dos meus pulmões, ligeiramente asmáticos, permite e tão esganiçada quanto a minha garganta aguenta. Não haveria de escapar nenhum daqueles velhos lentos, desconfiados, chatos, incapazes de se fazerem entender e de me ouvir. Não pouparia uma dessas donas de casa desesperadas, desaustinadas, atordoadas porque o filho, obeso desde os três anos de idade, está prestes a sair de casa, porque o marido não a vê desde a altura em que o menino ainda era magrinho, porque as irmãs é que estão bem e porque as amigas cada vez lhe telefonam menos. E esses parasitas, agarrados, com demasiado tempo livre, com todo o tempo livre, que me vêm aqui exigir atenção, a cheirar mal, dentes podres, e reclamam da vida, da conjuntura, do diabo a quatro, como se eu quisesse saber. 
Gritar-lhes que vão à bugiar, insultá-los um a um, depois em conjunto, num espetáculo tão ultrajante que não permita regresso, nem redenção. Sem culpa. A minha vergonha esfumada, tal como a minha compaixão se esfumou, por aí, num destes dias.  
E fechar a maldirporta, exagerada, teatral, tragicamente, com toda a força que eu não tenho, agitando os alicerces e ameaçando os vidros, em jeito de despedida. 


sexta-feira, 9 de setembro de 2016

*Onomatopeia de Meditação*


Quatro ou cinco minutos de Tool sabem sempre a poucochinho. 


Manda o Lúcifer Pastar Camelos

Arcanjo Miguel de Guido Reni, 1636
 A tentar ser a melhor versão possível.
 A tentar ser a melhor versão possível.
 A tentar ser a melhor versão possível.
 A tentar ser a melhor versão possível.
 A tentar ser a melhor versão possível.
 A tentar ser a melhor versão possível.
 A tentar ser a melhor versão possível.
 A tentar ser a melhor versão possível.
 A tentar ser a melhor versão possível.
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 A tentar ser a melhor versão possível.
 A tentar ser a melhor versão possível.
 A tentar ser a melhor versão possível.
 A tentar ser a melhor versão possível.
 A tentar ser a melhor versão possível.

...


domingo, 4 de setembro de 2016

sábado, 3 de setembro de 2016

The Train That Crashed My Heart

Pó de Estrelas

Não precisas de te apresentar, nunca nos cruzamos, verdade, mas tenho-te visto nas mais diversas ocasiões, em várias pessoas. Arriscaria dizer que também já me tens encontrado por aí, dispersa noutros. Um braço, um lobo occipital, uma língua... Desconfio que, feitas as contas, somos meia dúzia de indivíduos, consciências, meia dúzia de caráteres e linhas de pensamento. São os mesmos átomos que cá andam há nem consigo abranger quantos anos. A tabela nem tem assim tantos elementos e acabamos por resvalar nas mesmas ruelas, trautear as mesmas cantigas e mastigar os velhos adágios, crentes que nunca antes alguém o fez tão bem, tão lúcido do que ressoava.
A angústia que malogradamente encobres não é uma edição limitada, é pandémica e pandemicamente varrida para debaixo de tapetes de cozinha. Louvado ónus de sermos tão extraordinários, bendito o sofrimento de viver em busca de testemunhas da nossa ventura. Inconcebível a felicidade de luz apagada. Ninguém a está a ver. Que desperdício. Mas e se não fosse, imagina só, a felicidade intrínseca, independente de comprovação. Livres da sofreguidão de nos provarmos especiais, chegaríamos mais longe, tropeçaríamos mais, mas mais alto, tomados por uma inebriante sensação de liberdade, a de sermos somente cada um de nós e, então, talvez começássemos a sentirmo-nos especiais. Por hoje, continuamos numa tentativa de inovação falhada.
Explicar que valemos a pena - oh!, como é que não é óbvio que valemos tanto a pena - inglória missão. A minha audiência não está atenta, todos virados de costas, com o queixo a pesar sobre o umbigo. O seu próprio umbigo. Porque não tombam para o meu? Eu continuo aqui parada na ânsia que me descubram, um diamante em bruto. Tão subvalorizada. Sempre mais bonita dentro de casa e ninguém está cá para ver. O desgosto de ser irresistível à hora de dormir, e ninguém o saber. Tentei contar-lhes, desenhei desenhos, tracei fluxogramas, com legendas, ao lado, para explicitar, tentei usar palavras diferentes, mais simples, mais fáceis de entender. Mas ninguém acredita.
A liberdade de não ser mais ninguém, para mais ninguém.
Pode ser mais devagar? Preciso de mais de dez minutos para te compreender.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

The Walrus And The Carpenter


Este poema de Lewis Carroll, certamente dá que pensar.
Mas, se nos debruçar-mos sobre uma análise moral, correremos o risco de ter a mesma sorte de Alice?

"I like the Walrus best," said Alice, "because you see he was a little sorry for the poor oysters."

"He ate more than the Carpenter, though," said Tweedledee. "You see he held his handkerchief in front, so that the Carpenter couldn't count how many he took: contrariwise."


"That was mean!" Alice said indignantly. "Then I like the Carpenter best—if he didn't eat so many as the Walrus."

"But he ate as many as he could get," said Tweedledum. This was a puzzler. 

After a pause, Alice began, "Well! They were both very unpleasant characters."

—  Lewis Carrol in Through the Looking-Glass

A Disney nunca poupou as crianças às agruras do mundo lá fora.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Shake the Disease

É uma pergunta que me assalta com frequência, e nada. Nada, nada além de incredulidade. Então por que raio quero saber. Acho que nunca consegui responder, mas a verdade é que ainda não parei. E tu aborreces-me tanto, quase desde o início, logo após a primeira vista. Devo ter achado que ainda não via suficientemente longe, culpado a minha incapacidade de compreender a outro nível. 
Ou então, é aquela coisa do costume em mim. Mecanismo condenável, que ainda, apesar de tudo, não consegui alienar. Há fases. Mas ainda tenho essa mania irritante de querer agradar. Cegamente e sem qualquer critério, ainda pior do que querer agradar a quem me agrada. 
Nunca consigo responder, talvez seja preguiça de mudar a rotina. Talvez o problema tenha sido começar. Aconteceu, por acaso, e continuou, indefinidamente. Como sempre. Como tudo até agora. Um dia vou aprender a ser exigente, a reavaliar, e a tomar decisões. Não deixar correr sem manutenção. Sem manutenção, sem atualização, a obsolescência torna-se inevitável. 
E um dia vou dar ouvidos ao meu instinto, que um dia destes corta relações comigo. Com razão. Deixo sempre que outros me conduzam, tanto me faz, não sou esquisita e, no fundo, também não sou grande especialista em viver. Escolhe tu, eu não sei nem quero ter a responsabilidade de ter optado. Seguimos como entenderes melhor, desde que estejas confortável. 
Tanto esforço e enfado, em tantos meses não tivemos uma única conversa interessante, só as tuas intervenções invariáveis e as minhas buscas pela resposta correta. A resposta que desbloqueia. Não existe, não passas disso, plano e estanque. Considerando o histórico não denoto qualquer modulação, ao longo dos muitos dias que já correram. De tanto estar na mesma posição, o meu cérebro adormeceu. Acho que agora está a começar o formigueiro, tão incomodativo. Se ao menos conseguisse massajar o lobo esquerdo. Assim, ali mais atrás. 
Nunca te vi rir. Não és pessoa de chorar. És exatamente como, numa bela manhã, decidiste que ias ser. O teu sorriso é exatamente o mesmo do Verão passado. 

O meu também. 

Foda-se! Eu gosto tanto de rir.


Uma Nostalgia Não Se Sabe Bem de Quê


Os Blues, aquele encanto inefável que atrai e nos deixa a estalar os dedinhos e a bater o pé. Shakin' that thin'...

terça-feira, 26 de julho de 2016

Cookies


Hoje, em vez de "entender" os cookies, quis "saber mais" sobre os cookies, que todos os dias se atravessam no meu caminho. Sempre fui muito curiosa, questiono-me sobre as coisas e tal, não ando por aí a papar tudo o que me vendem. 

Fiquei convencida ao fim do primeiro parágrafo, quando a Google assegura que os cookies desempenham um papel importante. Sem eles, utilizar a Web seria uma experiência muito mais frustrante. Pronto, minha amiga, estamos conversadas. 

A Propósito



Um bom exemplar dos U2.
Se nos alhearmos da presença narcisista intermitente do Bono, o vídeo até é giro. 
Tem água e beijinhos aquosos e, céus!, que noite quente esta. 

Pronto, Hoje Durmo Na Banheira

É mais fresco e uma mosca que engoliu outra mosca, que engoliu um sapo, invadiu o meu quarto.


Mais ou menos assim. 
Menos o tabaco, claro, com este calor não dá. 
Se bem que se eu fumasse com esta pinta... Era menina para aguentar a asma.

domingo, 24 de julho de 2016

Single-serving friend

A travessia pelo deserto adivinhava-se longa. E tudo era areia. Escaldante. Inóspito. Adivinhava-se eterno. Escalando, pessimismo acima, tolda-se o juízo à medida que o oxigénio se rarefaz. 
À minha volta era areia, a perder de vista.  A minha impaciência desorientada fez-me embrenhar mais e mais, emaranhar mais e mais, acho que até sei, mais ou menos, como cheguei aqui, mas não sei regressar. 
Insciente do meu desânimo, limitaste-te a ser diante de mim. Ias dizendo aquilo que dizes, como dizes, agindo como ages. E não fizeste nada de extraordinário, nada que não costumasses fazer todos os teus dias. Os teus dias extraordinários, sobrepuseram-se a algumas das minhas horas ordinárias e inférteis. 
Devo ter-te dito uma vez ou outra o quanto gosto de conversar contigo. Conversas sempre desequilibradas, resumindo-se a minha participação a um chorrilho de questões sequiosas. Mas sabes, não é fácil encontrar alguém que tenha tanto para responder, não categoricamente, não intransigentemente, é só a minha opinião menina, tu vais e lês mais sobre o assunto... A tua opinião ponderada de quem sabe que nunca se sabe tudo, gigante perante a minha certeza de não saber nada. Conhecer-te foi suficiente para me inspirar, a nada em concreto, só a viver inspirada. A respirar com maior frequência. 
Já não te vejo há um ano, provavelmente não volto a ter o privilégio, mas, já ultrapassado o deserto, todos os dias me lembro de ti. Espero que esteja tudo bem. 
  

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Vai e Anuncia




Porque a História é cíclica, será sempre necessário parar e refletir sobre tudo o que já aconteceu até aqui. Tal como a História, a Política não pode ser feita de cabeça quente, uma cabeça que lateja com raiva, medo e preconceitos não tem capacidade para tomar decisões conscientes. A intolerância nunca gerou nada de bom. 
Os americanos até mereciam que ganhasse o Trump! Os americanos não são especialmente burros nem especialmente maus. Pelo contrário, é uma terra onde muita coisa boa acontece, todos os dias. No meu país, de onde partem tantos emigrantes, não vejo assim tão boa vontade para com os imigrantes. E também não vejo assim tanta lucidez em relação à Política. A minha cidade foi dirigida durante duas décadas por um homenzinho incompetente (excepto no que toca a campanhas e ganhar eleições), prepotente e corrupto. Mesmo quando se percebeu que até criminoso era, a popularidade manteve-se. E, tal como Trump, ele nunca se esforçou muito para disfarçar a sua índole. Os meus conterrâneos são tão espantosamente fáceis de convencer, mais eletrodoméstico, menos eletrodoméstico. O que não é de espantar, se virmos bem, o discernimento dos marcoenses é proporcional ao tamanho do espólio da biblioteca e do museu municipal: lamentavelmente escasso. Quando o Trump  perder nos EUA, digam-lhe para concorrer à Câmara Municipal de Marco de Canaveses, ganha tranquilamente. Sem sequer precisar de pavonear a sua bela esposa, importada da antiga Jugoslávia.
No meu pedacinho de terra somos sempre mais bonitos e melhores do que do outro lado da estrada. Vou reforçar a minha cerca porque o projeto de vida do meu vizinho da frente é, claramente, vir-me para aqui destruir o jardim. É a única coisa que ele sabe fazer, destruir jardins.
Aquela passagem bíblica sobre atirar a primeira pedra ecoa até hoje, a ignorância aliada a uma urgente prontidão para atirar pedras é a melhor construtora de muros e o mecanismo é sempre o mesmo, seja no meu bairro, seja a nível global. 


domingo, 17 de julho de 2016

Ectotérmicos


Dona Mãe Joana

Estava com esperança que a doença a acalmasse, ela andava a parecer mais simpática, mas está bem! Ontem já me ligou a berrar, foram lhe dizer que podamos a buganvília. Também ninguém cala este povo, é do piorio, irra! Pois, então se já nem víamos o sol do telheiro, já nem me dava gosto lá almoçar, nem conseguia ver onde metia a agulha do crochet, a ter que desfazer meia colcha por causa de um ponto mal dado, eu preciso de luz e a planta continua bem bonita, até mais viçosa do que estava que quanto menos flores houver para a raiz alimentar menos cor se perde.
Olha se é preciso gritar, um dia destes deixo-o lá ficar de vez, no hospital, as enfermeiras que a aturem que eu já sofri a minha cruz durante muitos anos. Para velha já basto eu, e ainda quero ver quem vai cuidar de mim. Ninguém! Vou ficar para aqui a guinchar, como uma porca, da coluna, da anca... Tantos curativos lhe fiz, àquelas varizes nojentas, que cheiro, meu Deus, uma vez andei uma semana sem comer, e sempre a inventar mais problemas e eu que me arranje. É ruim, xiça, é tão ruim que nem os filhos quiseram saber. Veja lá se algum cá veio. Agora veio!
Volta a reclamar assim, a cuspir-me ao ouvido as manias todas dela, e eu espeto com o telefone na parede da cozinha, quero lá saber que esteja numa cama de hospital, naquele quarto mais branco que as minhas bochechas do cú, que berre às vizinhas das camas ao lado, essas nem se incomodam, surdas como um esteio. São meninas para achar que está a rezar o rosário em voz alta e juntam-se a ela, mais alto ainda haviam de dizer os mistérios dolorosos. Escaqueiro o raio do telefone, que é para ela aprender. Pouco me importa que também ninguém me liga. Ninguém me liga, já reparou? Eu é que não vou ter quem cuide mim, quando já não tiver forças, já há dias que me bem me custa ir ao quintal, derrear-me para arrancar as ervas e levantar a enxada... Ai meus trabalhos!
Espere lá que lhe vou buscar  uma saca de feijão-verde que eu este ano tive muito e está para ali a estragar-se. Tem azeite? Quer um garrafão? Ui, leve-mo, tenho ali tanto. Não tenho é cerejinhas, com este tempinho nem as vi, os pássaros levaram-mas todas.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

domingo, 10 de julho de 2016

Marissa Nadler - Constantine



A sad city center on the summer's hole
You said it's dead here on the land here
Festered and drove and disappeared

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Go Figure!




For you must remember that in those days of gross viviparous reproduction, children were always brought up by their parents and not in State Conditioning Centres.
Aldous Huxley, in Brave New World

domingo, 3 de abril de 2016

quarta-feira, 23 de março de 2016

Se Vieres Às Quatro da Tarde


Há um lado da paliçada,
Onde a tontura é maior.
Crescendo na vertical,
Só ao nível vertebral,
Nunca chegas a senhor.

É com toda a força,
Na minha direção.
Fechou-se a porta,
A sala é nossa.
Temos autorização.

Mas em sentido contrário.
O lanche é pão ralado,
Flamejado,
Em guache azul primário,
A ponto de rebuçado.

As regras podem mudar,
Até meio da semana.
Menina,
Se souber jogar,
Nunca se engana.

Eles não têm pressa.
Mas não demore na teoria.
Pode ser a outra, ou essa.
Mandamos à sorte,
Na maioria.

Essa sua inflexão,
Não soa mais racional.
Vai-se inventando a história,
Se não resultar,
Depois,
Não faz mal.

Se tocar no fundo, é vitória.
Com as pontas também valeu.
A intensidade,
É sempre igual.
Quando perderes, vou eu.

Nada é como no início, no final.
Eu toco flauta universal.

A Lua é um fada,
Com os dentes tortos,
(Não é nada!
É uma pedra pesada.)
Que brilha pelos mortos.





terça-feira, 22 de março de 2016

MANUS x MACHINA | Fashion in Age of Technology


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Karl Lagerfeld - House of Chanel 
Wedding ensemble (back view), autumn/winter 2014–15 haute couture


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Karl Lagerfeld - House of Chanel 
Ensemble, autumn/winter 2015–16 haute couture


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Yves Saint Laurent 
Evening dress, autumn/winter 1969–70 haute couture


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Iris van Herpen 
Dress, autumn/winter 2013–14 haute couture


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Iris van Herpen
Ensemble, spring/summer 2010 haute couture


Uma exposição no MET.

Photos © Nicholas Alan Cope

When Retards Get Bored

" An eye for an eye only ends up making the whole world blind. "
Mahatma Gandhi


Bom dia, Mundo! Que bela manhã para matar inocentes. E para amanhã, já tens planos?

segunda-feira, 21 de março de 2016

Is Plain... Jane Jones




- Faça-me esse favor, vá dizer àquela destravada que comigo não faz farinha. Tem boa idade para ter juízo, dá-lhe assim para querer chamar a atenção, tenho toda a gente à espera.

- Senhor Domingues, a Luisinha já não mora aqui.

- E essa! Mudou-se para uma casa maior, para quê, se estava aqui tão bem. Quer mais salas para limpar, aqui tão bem, um apartamento modestinho, arejado, a dois passos do escritório. É a única que me consegue chegar antes da hora. Até esta semana! Pensa que me come por lorpa, com uma saúde de ferro, qual é a desculpa?

- Tenho de voltar para dentro, tenho o empadão ao lume há...

- Minha cara, é fim de mês, quem me vai fechar as contas? Telefone-lhe! Dê-me o novo endereço, ande lá que não a chateio mais.

- É chato, é, ela ter-se sumido sem dar cavaco a ninguém mas...

- Pode dizer que eu aponto.

- Senhor Domingues, se fosse assim tão simples, não tenho nenhum endereço, ela já não mora no rés-do-chão, só me disse que se ia mudar para ela. Que sentia saudades de morar nela.

- Nela?

- No dia em que me veio deixar as chaves estava alegre como nunca a tinha visto antes. Nem uma vez, assim tão satisfeita, e já era minha inquilina há cinco anos. Ouça, eu percebo-o, também fiquei desgostosa, mais ninguém pagava tão adiantado como ela.

- Nela?

- Percebe? Eu não percebi. Paciência! Ela nunca foi muito de falar, também não era de fazer grandes perguntas. Mas ouvia-me, quando a encontrava a chegar a casa. Gostava de ouvir as minhas apoquentações, tinha muita paciência, também não devia ter muito mais com que se preocupar, olhe, partilhava.

Exasperado, o homem sacou o lenço meio limpo do fundo do bolso do sobretudo, tentando limpar as gotas de suor que já lhe escorriam pela careca. Não se apercebera que estivesse um dia especialmente quente, vendo bem, nem está, até me corre um vento frio pelas orelhas. Ai meus trabalhos, como é que eu dou conta do serviço, agora.

- Importa-se que volte?

O homem acenou vagamente com a cabeça, enquanto a voz lhe falhou e os olhos se perderam no cimento da calçada.

- Ah, mas olhe, ela mandou-lhe um beijo.

- Como?

- Rosa, diz-lhe que lhe mando um beijo - encenou um ar pensativo, durante dois segundos, como quem reproduz uma mensagem de extrema importância - foi isso, foi o que ela disse.


quinta-feira, 17 de março de 2016

Minimal Pure


Da coleção "Minimal Pure", de Yoon San Wong, artista digital baseado em Istambul. 








No instagram.

Respice, Adspice, Prospice


Nestes dias, fiz uma breve pausa na minha vida e fui a Roma, rever uns amigos que, igualmente, dedicaram uns dias à amizade de longa distância.
O despertador às 5 da manhã soa-me ainda menos meigo do que o habitual. Porta fora, em direcção à porta de embarque, a névoa na minha cabeça funde-se com a escuridão da aurora. É só mais um dia normal, até ao zoom out sobre a Maia. 

Longa sesta a 30 mil pés, seguida de uma hora de sightseeing pelos arrabaldes, e ei-la, a orla da cidade, adornada por padrões de scooters estacionadas pelas ruas fora. Aquele trânsito infernal oblige. Desço do autocarro para dissipar a minha sonolência numa viagem muito mais animadora: eu, abraçada à Giulia, na sua Honda, com a minha bagagem, seguríssima, aos seus pés. Andiamo!, por entre os automóveis. Que bela forma de começar a matar as saudades, apesar dos semáforos que, amiúde, nos cortam o voo. Mas, diga-se, é o que lhes vale.

Pousadas as tralhas, rumámos ao centro histórico. É uma cidade grande mas consegue conhecer-se a pé. De nenhuma outra forma se absorve aquela atmosfera. Nas catacumbas do metro perde-se a essência de uma cidade desconhecida. Especialmente esta, com praças mil, encantadoras, ruas, ruinhas e ruelas. A cada esquina, uma fonte, mais uma coluna, uma estátua, ruínas dispersas. É uma fusão dos estilos vigentes desde a Antiguidade até aos nossos tempos, em harmonia, numa palete, fundamentalmente, ocre e alaranjada.

Muito para trás, Altare della Patria - lindíssimo, apesar de Mussolini - e para a frente, o Panteão com as suas cúpula e clarabóia, impressionantes, especialmente num dia de chuva forte. As praças, as fontes... E a Giulia, uma guia-general, não deu tréguas. O dia, que já ia longo, terminou, previsivelmente, em Trastevere, um pitoresco bairro medieval na margem oeste do Tibre. Onde a movida acontece. 

Evening in Trastevere.

A primeira night out, foi no Magazzino 33 onde, improvavelmente, ainda houve energia para dançar ao som deste belo conjunto musical:


Numa outra dessa noites de pizza e vino (no Da Gildo), fomos desencaminhados para a minúscula Rivendita Libri Cioccolate e Vino, a propósito de uns shots em copinhos de chocolate. Sim, como a nossa rica ginjinha. A diferença é que pomos o copo cheio e inteiro na boca. À primeira trinca, a bebida doce espalha-se, com o chocolate e chantilly. Existem uns 15 shots diferentes, sugestivamente baptizados. Eu bebi um Botarella, o mais emblemático, que pelo que percebi significa one night stand. Apropriado para uma visita flash a Roma.

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Não existem must-sees num museu a céu aberto, da minha parte, deleitei-me em algumas igrejas e com toda a arte sacra que fui encontrando. Quem gostar de se demorar por miradouros também não fica desiludido com as vistas sobre a cidade. A minha favorita, é a do Parque da Villa Borghese, que acontece situar-se mesmo em cima da Piazza del Poppolo, de entre as praças, também a minha favorita. Seja de onde for, ver-se-á A Cúpula, em destaque. Mas antes de visitar a Basílica de São Pedro, fomos ver os Museus do Vaticano, um enorme desafio à memória fotográfica. 


Não me atrevo sequer a descrever aquilo que é uma volúpia de pinturas, esculturas, frescos, tapeçarias, mosaicos, paredes, tetos... Que tetos! 
Foram vestíbulos, salas e corredores, passados entre o andante e o allegretto.
Ainda mal refeita dos quartos de Rafael, mais uma soleira transposta e damos com a Capela Sistina. Estamos na Capela Sistina. O meu pescoço já se ressente com tantos tetos até aqui, mas olha ali Deus a criar o Homem; o Adão e a Eva expulsos do Éden, para não mais voltar... Aí está um castigo e pêras! Que, ao menos, a maçã tenha valido a pena. Aqui, a wikipedia é uma grande ajuda na leitura de tudo o que se passa lá em cima. As paredes, não menos interessantes, ostentam, por exemplo, O Julgamento Final. Mas não só de Michelangelo vive a capela. Enquanto o meu estômago já sonha com lasanha, os meus olhinhos, que a terra há-de comer, esgazeam-se com Botticelli.

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As Tentações de Cristo, Sandro Botticelli

Não sou de ídolos mas é o meu Sandrinho, o meu impulso é fotografar e lá vem um dos seguranças chamar-me à razão. Scusi, signore, scusi! Tarefa hercúlea esta de impedir aquela multidão de fotografar. Pior, mantê-la em silêncio. Os microfones propagam, Silenzio, per favore!, seus brejeiros, estamos na Casa de Deus.

Entrando na basílica, ninguém duvida que seja a moradia de Deus, na Terra. E antes, a piazza de Bernini, é um preâmbulo digno. 2016 é um ano de Jubileu, um ano de perdão concedido pelo Papa. Neste período, aquele que entre pela Porta Santa, é agraciado com nada menos do que absolvição. Com efeito, sofri uma epifania à entrada, perante a mais ilustre das Pietás. O esplêndido culminar de uma série de encontros, marcados há anos, defronte dos meus livros de História. 
Entre toda a Antiguidade e Renascimento, o Vaticano ainda consegue ter uma área dedicada à Arte Moderna e Contemporânea, não menos interessante.

Uma das minhas descobertas favoritas está na Pinacoteca:

Adão e Eva no Jardim do Éden, Wenzel Peter

Inde a Roma, meus filhos! Imaginem, quão agradável seria uma tarde de descontracção pelo Circo Massimo, outrora uma oponente arena, hoje um belo prado. Um passeio pelo fórum, de gelato na mão (para geladinho vão ao Giolitti, perto do Panteão).

Ego tripping no Arco de Constantino.
Espetáculo, digo eu. Itália não é só um país a abarrotar de coisas para ver, fazer e comer. É um país hospitaleiro. Na minha experiência em Erasmus tive a felicidade de conviver com esta gente que parece cantar quando fala. Passei quatro dias em casa da Giulia, sentindo-me na minha. O pai dela, muito gentilmente, repescou o inglês do sótão para conversar, alegremente, com os intrusos que lhe invadiram a casa. Ainda teve a amabilidade de nos encher a barriga de massa - cacio e pepe (isto, sim, um must romano), all'amatriciana... A mãe, não falando inglês, não se poupou a esforços para entender as minhas esforçadas incursões no italiano, respondendo-me devagarinho, como fará quando ensina os seus meninos a ler e a escrever. Esta solicitude e empatia é mais um traço comum entre nós e eles. Tanto tempo depois, continuamos a partilhar muito mais do que o latim.

Dum vivimus, vivamus!


E, escutem, façam o que fizerem, vão dizer um olá à loba. Sem ela, nada feito.