quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Sistemas de classificação

Os sistemas de classificação têm um de dois objectivos:
Ou é gerir um conjunto complexo, distribuí-lo, organizá-lo em gavetas conceptuais, de forma a tornar mais simples entender e identificar cada um dos elementos do conjunto;
Ou então é um outro objectivo menos virtuoso mas também muito comum: criar miríades de divisões (diversões diria!) e subdivisões sem grande critério nem coerência e que pouca coisa albergam, para dar um ar complexo e sofisticado a coisas que no fundo são simples, porque tudo o que parecer mais complicado e ininteligível torna-se mais apetecível — o fascínio pelo que não se compreende bem.
Divagando totalmente, ocorreu-me agora que deve ser isso também que justifica as atitudes consistentemente incoerentes e incompreensíveis de algumas pessoas, deve ser uma estratégia para se tornarem apetecíveis — "Ai que sou tão profunda e complicada" (também podia ser no masculino, mas convenhamos, quase todos pensámos nesta personagem como uma rapariga!)

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Com e Sem (semi-automático)

Agora escrevo muito mais no computador do que com o lápis (ou caneta, ou pena), não é porque goste mais de escrever no computador, porque não gosto, gosto mais de escrever à mão, o que eu gosto no computador é apagar, é por isso que escrevemos mais nesta máquina de escrever dos tempos modernos, porque no fundo o que todos adoramos é apagar. Gosto de escrever à mão e apagar com o computador. Oxalá fossem conciliáveis: escrita com a mão, com o papel, com o backspace e sem a borracha.
Por falar em mão, uma mão com outra mão com outro dono, por pensar em passear, passeios com natureza, por falar em natureza, deitar na relva sem preocupações, por falar em deitar, cama só com um lençol fresco no verão, mas porque o verão não vai para novo, cama com lençóis térmicos no inverno, melhor ainda, cama com alguém que a aqueceu primeiro, por pensar em conchinha, sexo com música, (por falar nisso, sexo sem cama), por falar em música, jazz com chuva, por falar em chuva, chuva com sol, por pensar em arco-íris, planícies verdes com lagoas, por falar em lagoas, peixes sem aquário e por falar nisso, aves sem gaiolas, por falar em animais, passeios com cães, por falar nesses passeios, ruas sem pastilhas elásticas (e também sem os detritos dos cães), por falar no lixo, contentor dos indiferenciados sem materiais recicláveis, por voltar às pastilhas elásticas, almoços fora com uma pastilha elástica no fim, por falar em dentes, sumo de laranja natural com palhinha, por falar em sumo, pizza com coca-cola, por falar em pizza, fim de noitada com pizza que sobrou do jantar (também se aplica à manhã seguinte), por falar em festa, festas com álcool, por falar em festas com álcool, festas sem álcool demais, por falar em festas, festas com boas conversas, por falar em boas conversas, temas sem o tema trabalho, estudo ou futebol, por falar em falar, falar com pensar, por falar nisso, opiniões com cunho próprio, ideias sem lugares-comuns, por falar em frases feitas: vou andando que se faz tarde!

terça-feira, 5 de agosto de 2014

O barbeiro

O barbeiro: mestre que domina de igual modo a arte de tosquiar artisticamente o cabelo como a de ter uma conversa genérica com um estranho.
Perito em substituir um silêncio em que nada se diz por uma conversa onde se diz tão pouco como se se continuasse calado.
Nem sempre terá sido assim. Tempos houve em que o barbeiro ( barbeiro-cirurgião) era um homem temido e por conseguinte respeitado. Exímio conhecedor do corpo humano, a lâmina  tanto cortava a barba como atravessava a pele, assim mandasse o caso. Sem anestesias nem conversas da treta. Sem a falsa promessa de que "não vai doer", porque ia, e porque a dor faz parte da cura, diziam, sem apoio bibliográfico a fundamentar. Sem uma conversa amena "nos entretantos" para distrair da agonia da antecipação.
Hoje não. Hoje fala-se do curso, de futebol e da notícia que estiver a dar na televisão, de tudo isso mas da maneira mais genérica possível. Fala-se de tudo sem se dizer nada. Nada de jeito pelo menos...
E o que foi feito do silêncio só quebrado por silvos de dor ou por alguma informação realmente relevante? Hoje é o oposto, não há silêncio, mas há gritos de tédio que são intensos mas mudos...

E só por aproximação grosseira

A única semelhança entre a escrita e a acção, é a forma da caneta.