domingo, 12 de fevereiro de 2023

Nascer num McDonalds não faz de ti um cheeseburger

Na primeira noite em Saigão, num dilúvio,

um velho táxi amarelo foi meu alívio.

O indiano que evangeliza o mundo que chora.

Do seu pára-brisas sorri-me uma senhora

de delicadas mãos pousadas no peito. 

Bem tapada e composta, mulher de respeito.


Europeia, és cristã, arriscou a sentença.

Respondi, fui, senhor, forçada à nascença.

Mas ele não queria a história da minha crença

Só que os meus ouvidos escutassem a sua.

Suspirei não mais cair na falcatrua.


Correra todo o mundo nos anos sessenta,

boémio, só a capa no estofo não aparenta. 

Abraçada à minha mochila ouvi-o atenta.  

Pai sique, mãe hindu, a mulher islâmica,

não era ele tonto de suplicar a cerâmica


Aos tantos forasteiros atrás no banco

mandou calar mais o seu deus branco.

Mas num dia escuro o médico lê cancro,

firme e lacónico, sem contraditório.

A medicina nada deu para esse peditório


Correu a Bangalore por salvação,

peregrinou a cada templo com devoção.

Nem gurus, nem shiva, buda ou o corão.

O vizinho padre arrastou-o ao seu território.

Sabes, Cristo curou-me antes do ofertório.


No trânsito imenso em noite de monção,

alagado por um crescente rio Jordão,

o indiano que evangeliza o mundo com fervor

compõe a cruz de malta torta no retrovisor,

proclamando a sua salvação aos setenta

e batismos redentores nas margens do delta.