sábado, 3 de setembro de 2016

Pó de Estrelas

Não precisas de te apresentar, nunca nos cruzamos, verdade, mas tenho-te visto nas mais diversas ocasiões, em várias pessoas. Arriscaria dizer que também já me tens encontrado por aí, dispersa noutros. Um braço, um lobo occipital, uma língua... Desconfio que, feitas as contas, somos meia dúzia de indivíduos, consciências, meia dúzia de caráteres e linhas de pensamento. São os mesmos átomos que cá andam há nem consigo abranger quantos anos. A tabela nem tem assim tantos elementos e acabamos por resvalar nas mesmas ruelas, trautear as mesmas cantigas e mastigar os velhos adágios, crentes que nunca antes alguém o fez tão bem, tão lúcido do que ressoava.
A angústia que malogradamente encobres não é uma edição limitada, é pandémica e pandemicamente varrida para debaixo de tapetes de cozinha. Louvado ónus de sermos tão extraordinários, bendito o sofrimento de viver em busca de testemunhas da nossa ventura. Inconcebível a felicidade de luz apagada. Ninguém a está a ver. Que desperdício. Mas e se não fosse, imagina só, a felicidade intrínseca, independente de comprovação. Livres da sofreguidão de nos provarmos especiais, chegaríamos mais longe, tropeçaríamos mais, mas mais alto, tomados por uma inebriante sensação de liberdade, a de sermos somente cada um de nós e, então, talvez começássemos a sentirmo-nos especiais. Por hoje, continuamos numa tentativa de inovação falhada.
Explicar que valemos a pena - oh!, como é que não é óbvio que valemos tanto a pena - inglória missão. A minha audiência não está atenta, todos virados de costas, com o queixo a pesar sobre o umbigo. O seu próprio umbigo. Porque não tombam para o meu? Eu continuo aqui parada na ânsia que me descubram, um diamante em bruto. Tão subvalorizada. Sempre mais bonita dentro de casa e ninguém está cá para ver. O desgosto de ser irresistível à hora de dormir, e ninguém o saber. Tentei contar-lhes, desenhei desenhos, tracei fluxogramas, com legendas, ao lado, para explicitar, tentei usar palavras diferentes, mais simples, mais fáceis de entender. Mas ninguém acredita.
A liberdade de não ser mais ninguém, para mais ninguém.
Pode ser mais devagar? Preciso de mais de dez minutos para te compreender.

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