quinta-feira, 17 de março de 2016

Respice, Adspice, Prospice


Nestes dias, fiz uma breve pausa na minha vida e fui a Roma, rever uns amigos que, igualmente, dedicaram uns dias à amizade de longa distância.
O despertador às 5 da manhã soa-me ainda menos meigo do que o habitual. Porta fora, em direcção à porta de embarque, a névoa na minha cabeça funde-se com a escuridão da aurora. É só mais um dia normal, até ao zoom out sobre a Maia. 

Longa sesta a 30 mil pés, seguida de uma hora de sightseeing pelos arrabaldes, e ei-la, a orla da cidade, adornada por padrões de scooters estacionadas pelas ruas fora. Aquele trânsito infernal oblige. Desço do autocarro para dissipar a minha sonolência numa viagem muito mais animadora: eu, abraçada à Giulia, na sua Honda, com a minha bagagem, seguríssima, aos seus pés. Andiamo!, por entre os automóveis. Que bela forma de começar a matar as saudades, apesar dos semáforos que, amiúde, nos cortam o voo. Mas, diga-se, é o que lhes vale.

Pousadas as tralhas, rumámos ao centro histórico. É uma cidade grande mas consegue conhecer-se a pé. De nenhuma outra forma se absorve aquela atmosfera. Nas catacumbas do metro perde-se a essência de uma cidade desconhecida. Especialmente esta, com praças mil, encantadoras, ruas, ruinhas e ruelas. A cada esquina, uma fonte, mais uma coluna, uma estátua, ruínas dispersas. É uma fusão dos estilos vigentes desde a Antiguidade até aos nossos tempos, em harmonia, numa palete, fundamentalmente, ocre e alaranjada.

Muito para trás, Altare della Patria - lindíssimo, apesar de Mussolini - e para a frente, o Panteão com as suas cúpula e clarabóia, impressionantes, especialmente num dia de chuva forte. As praças, as fontes... E a Giulia, uma guia-general, não deu tréguas. O dia, que já ia longo, terminou, previsivelmente, em Trastevere, um pitoresco bairro medieval na margem oeste do Tibre. Onde a movida acontece. 

Evening in Trastevere.

A primeira night out, foi no Magazzino 33 onde, improvavelmente, ainda houve energia para dançar ao som deste belo conjunto musical:


Numa outra dessa noites de pizza e vino (no Da Gildo), fomos desencaminhados para a minúscula Rivendita Libri Cioccolate e Vino, a propósito de uns shots em copinhos de chocolate. Sim, como a nossa rica ginjinha. A diferença é que pomos o copo cheio e inteiro na boca. À primeira trinca, a bebida doce espalha-se, com o chocolate e chantilly. Existem uns 15 shots diferentes, sugestivamente baptizados. Eu bebi um Botarella, o mais emblemático, que pelo que percebi significa one night stand. Apropriado para uma visita flash a Roma.

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Não existem must-sees num museu a céu aberto, da minha parte, deleitei-me em algumas igrejas e com toda a arte sacra que fui encontrando. Quem gostar de se demorar por miradouros também não fica desiludido com as vistas sobre a cidade. A minha favorita, é a do Parque da Villa Borghese, que acontece situar-se mesmo em cima da Piazza del Poppolo, de entre as praças, também a minha favorita. Seja de onde for, ver-se-á A Cúpula, em destaque. Mas antes de visitar a Basílica de São Pedro, fomos ver os Museus do Vaticano, um enorme desafio à memória fotográfica. 


Não me atrevo sequer a descrever aquilo que é uma volúpia de pinturas, esculturas, frescos, tapeçarias, mosaicos, paredes, tetos... Que tetos! 
Foram vestíbulos, salas e corredores, passados entre o andante e o allegretto.
Ainda mal refeita dos quartos de Rafael, mais uma soleira transposta e damos com a Capela Sistina. Estamos na Capela Sistina. O meu pescoço já se ressente com tantos tetos até aqui, mas olha ali Deus a criar o Homem; o Adão e a Eva expulsos do Éden, para não mais voltar... Aí está um castigo e pêras! Que, ao menos, a maçã tenha valido a pena. Aqui, a wikipedia é uma grande ajuda na leitura de tudo o que se passa lá em cima. As paredes, não menos interessantes, ostentam, por exemplo, O Julgamento Final. Mas não só de Michelangelo vive a capela. Enquanto o meu estômago já sonha com lasanha, os meus olhinhos, que a terra há-de comer, esgazeam-se com Botticelli.

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As Tentações de Cristo, Sandro Botticelli

Não sou de ídolos mas é o meu Sandrinho, o meu impulso é fotografar e lá vem um dos seguranças chamar-me à razão. Scusi, signore, scusi! Tarefa hercúlea esta de impedir aquela multidão de fotografar. Pior, mantê-la em silêncio. Os microfones propagam, Silenzio, per favore!, seus brejeiros, estamos na Casa de Deus.

Entrando na basílica, ninguém duvida que seja a moradia de Deus, na Terra. E antes, a piazza de Bernini, é um preâmbulo digno. 2016 é um ano de Jubileu, um ano de perdão concedido pelo Papa. Neste período, aquele que entre pela Porta Santa, é agraciado com nada menos do que absolvição. Com efeito, sofri uma epifania à entrada, perante a mais ilustre das Pietás. O esplêndido culminar de uma série de encontros, marcados há anos, defronte dos meus livros de História. 
Entre toda a Antiguidade e Renascimento, o Vaticano ainda consegue ter uma área dedicada à Arte Moderna e Contemporânea, não menos interessante.

Uma das minhas descobertas favoritas está na Pinacoteca:

Adão e Eva no Jardim do Éden, Wenzel Peter

Inde a Roma, meus filhos! Imaginem, quão agradável seria uma tarde de descontracção pelo Circo Massimo, outrora uma oponente arena, hoje um belo prado. Um passeio pelo fórum, de gelato na mão (para geladinho vão ao Giolitti, perto do Panteão).

Ego tripping no Arco de Constantino.
Espetáculo, digo eu. Itália não é só um país a abarrotar de coisas para ver, fazer e comer. É um país hospitaleiro. Na minha experiência em Erasmus tive a felicidade de conviver com esta gente que parece cantar quando fala. Passei quatro dias em casa da Giulia, sentindo-me na minha. O pai dela, muito gentilmente, repescou o inglês do sótão para conversar, alegremente, com os intrusos que lhe invadiram a casa. Ainda teve a amabilidade de nos encher a barriga de massa - cacio e pepe (isto, sim, um must romano), all'amatriciana... A mãe, não falando inglês, não se poupou a esforços para entender as minhas esforçadas incursões no italiano, respondendo-me devagarinho, como fará quando ensina os seus meninos a ler e a escrever. Esta solicitude e empatia é mais um traço comum entre nós e eles. Tanto tempo depois, continuamos a partilhar muito mais do que o latim.

Dum vivimus, vivamus!


E, escutem, façam o que fizerem, vão dizer um olá à loba. Sem ela, nada feito.

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