domingo, 17 de julho de 2016

Dona Mãe Joana

Estava com esperança que a doença a acalmasse, ela andava a parecer mais simpática, mas está bem! Ontem já me ligou a berrar, foram lhe dizer que podamos a buganvília. Também ninguém cala este povo, é do piorio, irra! Pois, então se já nem víamos o sol do telheiro, já nem me dava gosto lá almoçar, nem conseguia ver onde metia a agulha do crochet, a ter que desfazer meia colcha por causa de um ponto mal dado, eu preciso de luz e a planta continua bem bonita, até mais viçosa do que estava que quanto menos flores houver para a raiz alimentar menos cor se perde.
Olha se é preciso gritar, um dia destes deixo-o lá ficar de vez, no hospital, as enfermeiras que a aturem que eu já sofri a minha cruz durante muitos anos. Para velha já basto eu, e ainda quero ver quem vai cuidar de mim. Ninguém! Vou ficar para aqui a guinchar, como uma porca, da coluna, da anca... Tantos curativos lhe fiz, àquelas varizes nojentas, que cheiro, meu Deus, uma vez andei uma semana sem comer, e sempre a inventar mais problemas e eu que me arranje. É ruim, xiça, é tão ruim que nem os filhos quiseram saber. Veja lá se algum cá veio. Agora veio!
Volta a reclamar assim, a cuspir-me ao ouvido as manias todas dela, e eu espeto com o telefone na parede da cozinha, quero lá saber que esteja numa cama de hospital, naquele quarto mais branco que as minhas bochechas do cú, que berre às vizinhas das camas ao lado, essas nem se incomodam, surdas como um esteio. São meninas para achar que está a rezar o rosário em voz alta e juntam-se a ela, mais alto ainda haviam de dizer os mistérios dolorosos. Escaqueiro o raio do telefone, que é para ela aprender. Pouco me importa que também ninguém me liga. Ninguém me liga, já reparou? Eu é que não vou ter quem cuide mim, quando já não tiver forças, já há dias que me bem me custa ir ao quintal, derrear-me para arrancar as ervas e levantar a enxada... Ai meus trabalhos!
Espere lá que lhe vou buscar  uma saca de feijão-verde que eu este ano tive muito e está para ali a estragar-se. Tem azeite? Quer um garrafão? Ui, leve-mo, tenho ali tanto. Não tenho é cerejinhas, com este tempinho nem as vi, os pássaros levaram-mas todas.

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