quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O João e a Cofidis


Quase todos os dias o João entra-nos em casa, junto com o pai, os dois juntos naquela garagem, junto com aquele carro vermelho e aquele discurso enfadonho e repetitivo, sempre o mesmo, invariante, invariantemente estúpido.
"O João fez a parte dele e entrou em medicina, e eu cumpro a minha e dou-lhe um carro." Que idade é que o João tem? Deve ter, pelo menos,18, para estar a ingressar agora no ensino superior, e  para poder usar um carro fora do estacionamento do cemitério da vila dele. Esse método de estimulação "if - then" parece-me um bocado desajustado para um jovem adulto, e sobretudo muito desajustado para o objectivo em questão. O João tem que querer entrar em medicina, ou noutro curso qualquer, porque gosta e não porque vai ganhar um carro. E tem que gostar o suficiente para estudar, também, o suficiente. E não para ter um sítio para dar aso a deleites adiados com a namorada, até então, por falta de local. Eu acho má pedagogia. Se é dos que sofre com a pressão dos objectivos, vai lhe pôr ainda mais pressão em cima. Se ele falhar, vai causar-lhe ainda mais frustração. Se é dos que não tem auto-disciplina suficiente para se esforçar pelos próprios objectivos, então é imaturo, foi mal educado e não acho que esse problema deva ser corrigido oferecendo-lhe um carro por uma coisa que ele deve querer por si. No resto da vida não vai haver quem lhe possa dar viaturas por cada objectivo. E se para entrar foi preciso um carro, para ele completar o curso ia precisar de um stand. Portanto em nenhuma das hipóteses me parece adequada a atitude.
Agora vamos à questão económica que também não me parece menos estúpida. Então o pai do João não tem dinheiro suficiente para lhe pagar um carro novo e nem um usado (porque também, se tem dinheiro para um usado mas vai contrair um empréstimo para dar um carro novo como primeiro carro, é muito parvo). Até aqui tudo bem. Ele não tem esse dinheiro e o filho anda no secundário. Tudo bem na mesma, até agora foram constatações. Mas o homem, que não tinha dinheiro para comprar um carro em segunda mão, vai, logo agora, agora que vai ter um pesadíssimo acréscimo nas despesas com propinas, transportes, habitação e alimentação do moçoilo na faculdade, empenhar-se com um empréstimo, e logo na cofidis! O cúmulo é isso, é que não é num banco mais credível, que procura garantias para o crédito e depois apresenta taxas de juro mais razoáveis, não, é logo na cofidis...
Enfim, foi desta forma que arranjei uma óptima desculpa para eu falar disto. É por esta política do "quero, não tenho dinheiro, faço um empréstimo", por esta oferta de crédito fácil, desregrado, tantas vezes inconsequente, que há tantos portugueses cujo trabalho serve meramente para ir sobrevivendo às prestações mensais.

1 comentário:

  1. Tens toda a razão. Tudo bem que é só uma publicidade mas, dá um péssimo exemplo e reflecte um pouco a mentalidade facilitista da nossa sociedade.

    Luísa T.

    ResponderEliminar

Speak up your mind!