sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Priscilla com dois éles como Marcello Caetano

A menina Lurdinhas e o Tavares casaram no fim do ano, que foi quando lhe deram folga na camisaria, que a clientela não espera despida à espera que ele vá ali e já venha. Ela queria ter casado no dia de Natal, em honra ao menino Jesus, que cerimónia tão linda teria sido aquela, se ao menos me tivessem deixado. Mas o pároco não achou por bem competir com Cristo dessa forma, para além de que não é época para pôr grandes enfeites na igreja.

A casa dos pais da Lurdinhas é asseada mas não é lá muito grande portanto a boda foi coisa singela, a família de um, a família do outro e pouco mais. Para compensar, a Lua de Mel foi um fartote, começando os pombinhos por pernoitar no Buçaco, sabe que aquilo custa couro e cabelo mas é fino como eu nunca vi. Vista a Serra de uma ponta à outra rumaram à Batalha atrás de ver o Mosteiro. Ai mas é muito mais bonito que a nossa igreja matriz, pena ser Inverno que dizem que quando o Sol bate forte nos vitrais é que isto é encantador a sério. Mas olha vimos os jazigos daqueles reis todos, até lá estava o Infante Dom Henrique, há que séculos que Ceuta voltou para os mouros de que lhe valeu ralar-se? Antes de voltarem para cima passaram na Nazaré que a Lulu nunca tinha visto o mar, e ai tão grande que ele é. Nem ela havia viajado até tão longe nem o Fiat Seiscentos do meu sogro andado tantos quilómetros em tão pouco tempo. Mas portou-se bem, ah pois que há para aí muita máquina que não aguentaria tanto.

Não haveria de ser fácil para a jovem esposa cumprir  o seu sonho de menina, ser mãe de outra menina ainda mais bonita e mais prendada. A certa altura já se julgava que era infértil, sequinha como um riacho em Agosto, e foi quando as regras lá tardaram a aparecer. E ela soube logo porque desde garota que era certinha como as horas (qual Kant!). Tal como soube logo que aí vinha uma menina porque a forma do ventre não engana e uma mulher sente estas coisas. Assim, nascida a bebé, dormia no seu regaço cansado das atribulações do parto, quando chegaram as visitas. E agora como lhe vais chamar? A tia do Tavares que viveu metade da vida na Suíça disse que Priscila é que está a dar lá fora. O avô disse que sim senhor, mas só se fosse Priscilla com dois éles como o Marcello Caetano, para que toda a gente saiba que não há comunistas em nossa casa e que somos gente de bem. A Lurdinhas estava a borrifar-se para o Marcello mas gostou da ideia porque com o éle a mais ficava ainda mais chique. Mas atenção, que ninguém mencione esta homenagem à prima-vizinha da frente, coitada, tem dois dos três filhos no Ultramar. Que matem os pretos todos e voltem rápido, sãos e salvos, meus ricos filhos!

A Priscilla da Conceição nunca se deu com comunistas, no entanto, nada quis ter a ver com o regime que dali a nada foi posto na rua. Portanto, se lhe perguntarem porque não se chama Priscila em português, ela vai responder, peremptória e nariz-empinadamente, que a mãe assim a batizou por ser fã da Priscilla Presley, que é uma verdadeira senhora e que um dia também ela haveria de casar com um cantor romântico e ser uma estrela da televisão numa espécie de Dallas nacional, porque muitas vezes fazem-se cá novelas a fazer lembrar as do estrangeiro.

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