segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

C'me On, Give Us A Break!

Maria Inês cresceu brincando com suas Barbies, claramente a minha atividade favorita durante muitos e felizes anos. Eu gostava da escola, gostava de ler, gostava do ballet, um pouco menos da natação, gostava ao quadrado de ver televisão. Nunca dei muita importância aos nenucos, nem ao ferro de engomar nem ao aspirador. As minhas Barbies eram tudo para mim. Foram muitas horas dedicadas ao faz-de-conta. As minhas Barbies eram mulheres lindíssimas que interpretavam lindamente os papéis que eu lhes atribuía, e foram muitos - do infantário ao 2º ciclo podem imaginar que os enredos variam consideravelmente. Não perguntem pormenores, que já não me lembro. Lembro-me, contudo, que eram mulheres trabalhadoras. As minhas Barbies nunca foram donas-de-casa (todo o respeito pelas mesmas), as minhas Barbies tinham namorados, por vezes dava um certo encanto à história, mas as suas vidas não giravam à volta disso. Elas tinham os mais diversos objetivos e preocupações.
Eu nunca pensei que houvesse grande diferença entre meninos e meninas, exceptuando algumas preferências de passatempos, claro, eu nunca consegui gostar, verdadeiramente, de praticar nenhum desporto. O meu irmão nunca me fez companhia e às bonecas, por muito bem-vindo que fosse. Mas como diz o outro, os gostos não se discutem. E eu, efetivamente, sempre achei que não se discutiam. Eu nunca acreditei que houvesse grande diferença entre meninos e meninas. A minha mãe pedia-me para levantar a mesa noventa e cinco por cento das vezes, ao meu irmão cinco, mas é porque ele nunca faz o que lhe peço, não queres ser preguiçosa como ele, pois não? Não, mãe, eu ajudo. E, de facto, nunca notei grande diferença, a minha avó acusava-me de ser desarrumada e de não ajudar a minha mãe, enquanto preparava o pão com marmelada para o meu irmão lanchar. Mas mais vais levar essa mini-saia para a escola? menos olha-me para esse cabelo, parece impossível, a verdade é que ela não fazia grande distinção.  Eu até estou convicta que era a neta preferida da minha avó, ela só não queria que eu percebesse. 

Olhando para trás, talvez tenha passado mais intervalos do que gosto de admitir ocupada a criticar cada uma das minhas colegas, à vez à vez. Eram muitas e uma pessoa tem de dissecar os defeitos com calma, não dá para ser tudo ao mesmo tempo, além de que eu não  posso dizer à Ana que a Ana é uma falsa. Isso eu digo à Joana. Quando estou com a Ana, falo mal da Rita. Não é uma atividade assim tão simples. Ninguém estranhava muito, é uma coisa cultural e as tradições são para respeitar. Os rapazes falavam de desporto e jogos de vídeo, mas isso é porque o cérebro deles não tem a capacidade de ouvir atentamente a última cusquice enquanto fotografa mentalmente a nova blusa, mais decotada que nunca, da melhor amiga. Das duas uma, ou eles não são tão perspicazes, ou quem sabe, eles não são educados enviesadamente para reparar em tudo o que acontece, tudo o que não acontece e para analisar todas as razões pelas quais poderá ou não ter acontecido. Assuntos demasiado elevados para aquelas cabecinhas simplórias.

Francamente, tão dedicada que estive, durante tanto tempo, a dominar a dinâmica social e conseguir sempre ter assunto de conversa, não me fui apercebendo que afinal, não é só naqueles países horríveis de terceiro mundo, onde até tapam as mulheres, que se sente descriminação entre sexos. 
Aos vinte e quatro anos de idade, ainda eu uma criança com a vida pela frente e o mundo a meus pés, já não tenho um almoço de família sem e quando temos o próximo casamento, Inês? Confesso que fico com alguma pena do meu irmão que é mais velho do que eu, mas com o qual ninguém se preocupa. Então ele não merece igual preocupação e carinho? Só se lembram de mim, um dia destes ele vai reparar que é posto de parte e há-de ficar magoado com a desconsideração. Bem como estou certa que também ele gostaria de ouvir o manual de Como fazer com que o teu yorkshire terrier cônjuge te seja fiel e submisso - truques e dicas. Não é justo!


Uma vez um colega disse-me que escrevo como um rapaz, nunca percebi o significado disso, mas ponho-me a imaginar o que será viver como um rapaz. Imagino que seja um tanto mais fácil do que viver como uma rapariga. Sim, em Portugal, não falo no Médio-Oriente ou na Índia. Sei lá, ser rapaz e não ter de ouvir de um empregador ah, eu precisava mesmo era de contratar um homem, já cá tenho muitas mulheres e depois fica aquele ambiente de salão de cabeleireiro. Não ter de ver algumas amigas tão ansiosas para encontrar o amor da vida delas um homem que as leve ao altar.

As minhas Barbies eram muito mais relaxadas, intrinsecamente livres nas suas escolhas. Eventualmente, o Ken poderia vir a ser o centro das suas vidas, aquele Ken especial, não a urgência de um Ken que dê sentido a uma existência. Acima de tudo, as minhas Barbies sabiam que não existe uma fórmula da vida no masculino e outra no feminino. Elas sabiam que existem tantas fórmulas para a felicidade, quantas há indivíduos.

Eu nunca me safei de uma aula de educação física com a desculpa da menstruação (e só eu sei como gostaria de o ter feito), nunca usei o facto de ser mulher para justificar fragilidades ou para me queixar da vida. Até porque nunca tinha sentido, realmente, que fosse uma desvantagem. Mas não há como negar que é. Não há como negar que os homens partem com uma vantagem histórica, que não parece esbater-se. Custa-me admitir, mas é verdade, que "tão gaja", é dos adjetivos com uma conotação mais negativa que temos. E, c'um caraças, as gajas são mesmo chatas, só estão bem agarradas a mandar mensagens o dia todo, são tão temperamentais, mesquinhas e complicadas. Mas estão a falar de quem? A maior parte das raparigas que eu conheço não encaixa neste perfil, também a maior parte dos rapazes que conheço não é um carneiro mal morto desejoso de ser manipulado por uma gaja passivo-agressiva que faz greve de sexo de cada vez que não leva a sua avante.


A minha professora de Ciências do 6º ano classificou a organização do meu caderno com um Satisfaz, porque para uma menina devia estar bem melhor. Já os meus testes, para menina, eram excelentes. Felizmente, naquela idade já (ou ainda) tinha a percepção da patetice que ela estava a dizer, mantive a minha letra péssima, até hoje. Igualmente, não há como não estranhar que na faculdade onde estudei, com uma esmagadora maioria de estudantes do sexo feminino, todos os cargos mais importantes (até na AE e na Praxe, sagrada Praxe), não havia mulheres. Aquelas esganiçadas!
Acontece que eu até sou uma mulher que gosta de saltos altos, de vestidos e maquilhagem, nunca percebi o que é um fora de jogo (nem tentem explicar), choro aos soluços sempre que o Leo morre por amor no Titanic, um cliché do caneco. Pretendo continuar assim, sem me preocupar com ter de usar calças para ser respeitada no trabalho e ter de usar saia para ser respeitada na vida. Permitam-me que vista o que me apetece a cada manhã.

Eu derreto-me por rapazes que se derretem por futebol, não se depilam, não pintam o cabelo, não põem base na cara... É só a minha preferência, não respeito menos um rapaz que se depile, provavelmente não vou ter fantasias com ele, mas também não lhe vou chamar nomes. Tal como não me incomodam as mulheres que têm pêlos na axila e que, valha-nos Deus!, os pintam de verde fluorescente. Notícia de última hora: as axilas da Luísa são, com efeito, da Luísa. Pronto, já que estamos nisto, deixem-me deambular um pouco mais sobre o homem dos meus sonhos, eu não sei muito sobre ele, na realidade, mas sei que é inteligente, não é um tonto que me elogia de vinte em vinte minutos, morrendo de medo que o comentário errado ligue o interruptor que me torna o monstro das hormonas. Para a maior parte das pessoas isto é evidente, essas espero que não se tenham dado ao trabalho de ler isto,  credo!, isto já vai em mais de dez parágrafos e eu não disse nada que não seja axiomático. Para os mais céticos, o facto é que não existe guerra eterna entre homens e mulheres. Os homens não são uns inúteis nem as mulheres golddiggers à procura de um marido que lhe pague as contas (chiuu, pessoas assim há em ambos os lados). 



Muito mais eloquente do que eu é a menina Adichie, ouçam-na. Eu sou só mulher, em Portugal, pobre coitada, não quero imaginar o que seja ser mulher e preta. Deve ser como jogar World of Warcraft no modo mais difícil. Não, ela ainda podia ser homossexual e portadora de deficiência (ou lá como é politicamente correto dizer). 



“ I often make the mistake of thinking that something that is obvious to me is just as obvious to everyone else. ” 

Se não têm tempo para tanto, vejam a versão resumida (<4 minutos).


E não é que a B quando resolveu escrever sobre coisas que, realmente, a interessam, fez um álbum, realmente, interessante. Ele há coisas!


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