segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Exhibit nº1


Está a ver, eu nunca senti que fosse mais ajuizado não ser eu, ao pé de si. Nunca me ocorreu disfarçar as falhas com purpurinas, vestir as inseguranças com pele de cordeiro e certeza absoluta, de me proteger do seu julgamento, que não julguei existente. Não me lembrei de agigantar os meus sucessos, aos seus olhos, para que os admirasse, em alta resolução. Sabe, aos meus olhos, entre nós, não havia cerimónias. Triste, não forcei o sorriso, coerente como só sei ser, com as pessoas de casa. 
Percebe, estes anos todos, achei que era de casa. Todos estes anos, não percebi que sou uma visita. Daquelas que exigem cuidado e trabalheira antes de receber e a quem não se está à vontade para dizer, agora vá se lá embora que tenho de ir fazer o jantar. Não imaginei que desatasse a correr buscar a vassoura quando partisse o copo. Compreenda a minha surpresa. Desculpe-me, por o ter recebido em minha casa, com a toalha de todos os dias, sobre a mesa, com sombras de nódoa de vinho e café. Se me tivesse avisado, teria posto uma das toalhas de linho, não vá o amigo regressar a sua casa com a impressão errada. Espero que não se tenha ofendido comigo, não foi por mal. Merece tudo do melhor. Merecia a prata e a porcelana.
A vida corre, invariavelmente, bem, obrigada. Nunca pior, enquanto houver saudinha. Desculpe não ter tido essa deferência consigo, polida opacidade. Tratei-o com a transparência habitual de quem entra pela porta da cozinha, sem limpar os sapatos no tapete. As minhas palavras não costumam ter um significado alternativo, não perca tempo a tentar desconstruí-las. 
O amigo vai desculpar-me, eu tenho o maior respeito por si, mas não me apetece. A canseira é tal e não consigo puxar pela cabeça. Não me peça isso. Não fique triste. Não se esforce. A sua expectativa é demasiado pesada para mim. Por favor, não me obrigue a calcular, não torne cada conversa na defesa, ansiosa, da minha intelectualidade. do meu valor e excepcionalidade. Esteja à vontade para corrigir-me a cada gaffe, mas não espere que faça o mesmo. Não tenho como provar-lhe não ser miserável. Não tenho como provar-lhe a veracidade da minha felicidade, não me mace. 
Fazemos assim, quando me vir na rua, pergunte-me como vou. Hei-de responder-lhe positivamente, da forma mais convincente que conseguir. Delicadeza, em nome dos bons tempos. O amigo devolver-me-á o seu sorriso, ainda mais largo, mais branco. Eu não duvidarei de si, para mim não é difícil, entende? Eu conheço-o de ginjeira, bem sei que é um tipo porreiro.


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