quarta-feira, 20 de maio de 2020

Debaixo do mar

Debaixo do mar
há outro mar
corre mais denso
corre profundo.

Debaixo do mar
azul
corre outro mar
magenta
tingido dos séculos

Tingido dos séculos
fragmentos de sangue,
a alma do corpo,
milhões de fragmentos
gotículas ínfimas
a saber a ferro
sangue forjado
fragmentos, fractais, 
perdidos para o mar:
perdidos nas praias
perdidos em terra
lavados pela chuva 
escorridos para os rios
deixados no mar.

Densos
a aglutinarem-se no fundo
nas profundezas
nos abismos submersos
onde escorregam
para o centro da terra
metais fundentes
ferrosos
e rubros.

Século de águas tingidas
repetido do anterior
repetido dos seus pais,
dos seus avós,
até à primeira geração.
Até ao primeiro coração humano
a lançar sangue para as artérias e veias do primeiro corpo,
com as primeiras chagas
de uma tradição milenar.

Séculos de águas tingidas
por grandes guerras,
por minúsculas guerras, 
por dores proporcionais e desproporcionais
(o que importa?)
sangue erodido do corpo
pela agressão de viver
lavado na chuva 
tingindo as águas.

Debaixo do mar
há outro mar
parido das veias.

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