segunda-feira, 25 de junho de 2018

Perecível


Que perecível pode ser uma ideia.

Mal sonhada, que doçura. Que aroma avassalador, a penetrar-nos os sentidos e inebriar-nos na sua loucura. Na perfeição das coisas inacabadas, a ideia apaixona-nos e deixa-se namorar. Fica ali entre véus a ser contemplada, adivinhada entre transparências e ilusões, naqueles jogos de sedução e hipnose. Não é moderada e não se deixa moderar. Desrespeita quase sempre a lógica mesmo que more paredes-meias com ela. E desrespeita mesmo o seu mestre — já não — o seu vassalo, como o fazem as paixões.
E é quase sempre uma paixão bruta, abrupta, brota da bruma bramindo mal chega, qual brisa, que se nos abre no peito quente sem se deixar abraçar, que mais ainda que bela, é enfim, breve.

Não começa a amadurecer e quase sempre já se lhe fareja um travo azedo, um vertiginoso receio cresce abafando o encantamento. Uma decepção latente palpita amarga no coração. Quase nunca resiste a uma noite, às vezes nem mesmo a uma sesta breve. Tomada por uma putrefacção insidiosa, que afinal já lá estava desde a génese e que não aflorou à superfície senão quando toda a ideia já estava tragicamente acometida.

Assim o é, quase todas as vezes. Revisitar uma ideia estimada uns dias, uns meses, uns anos depois, é quase sempre penoso. Um certo constrangimento envolve o processo de observar todo o constructo na sua nudez. Sob a lanterna de luz branca dos não apaixonados os detalhes são defeitos e a volúpia são excessos.

E quem diria, que uma ideia podia envelhecer assim, mesmo dentro de nós, protegida na privacidade do nosso pensamento, mesmo sem a oxidação de uma discussão, da verbalização e exposição ao ar. Mas pode, e assim o é, quase todas as vezes.
Todavia, menos vezes do que quase nunca, uma parece vingar. Emerge paulatinamente entre o ruído e sobe o declive do tempo em contraciclo, cada vez mais suave, cada vez mais doce. Amadurece serena, despojadamente simples, desconcertantemente bela.


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