quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Quando a Rosa tiver um momentinho...

- Quando a Rosa tiver um momentinho... Não, não tenha pressa, acabe isso com calma, temos tempo. Pois, isso ainda lhe vai dar trabalho, há-de estar peganhento, calculo. Foi o Coronel, ontem à noite, exaltou-se, num repente, e verteu a bebida no soalho. Valha-nos o Senhor! A Rosa tenha paciência, já sabe como ele é. O remédio é esfregar, pois, que mais se há-de fazer! Mas depois, se a Rosa perceber alguma coisa destas maquinetas do Inferno, veja se me consegue ajudar aqui. Sabe, os meus antigos colegas, que continuam lá no Tribunal, volta e meia, ainda me pedem umas opiniões, quando se lhes depara um caso mais bicudo. Sabe, Rosa, a lei tem meandros e nuances manhosas, é preciso muita experiência para a interpretar. E eu já vi muita coisa nesta vida, nem imagina! E, portanto, os meus colegas, com toda a consideração e estima que têm por mim - e eu por eles, diga-se, e eu por eles... - ainda recorrem ao meu parecer. Daí estar aqui, desde manhã cedinho, a tentar redigir uma pequena explanação do meu ponto de vista. Mas não me está a ser fácil. Nada fácil. E eu tanto lhe pedi, não foi por falta de tentativa, àquela teimosa, que me deixasse tratar dos meus próprios documentos, de vez em quando, que também nunca tive muito tempo a perder, mas de vez em quando, custava-lhe ter me deixado escrever um relatório e imprimi-lo? Aquelas moças secretárias nunca nos deixavam fazer nada que fosse da sua competência, não queriam perder o estatuto. Ai de quem se chegasse a uma máquina de escrever, e quando vieram os computadores foi a mesma tormenta. Tinham medo de ficar obsoletas, as finórias. Tantas vezes lhe disse, Beatriz faça-me o favor, mostre-me lá como lida com essa geringonça, como é que faço um textinho à maneira e depois o mando cuspir ali na outra engenhoca, além?


por Paul Hogarth

A Rosa acha que ela se dignou a ensinar-me? Nunca, só no fim, nos últimos meses, quando já tinha posto o papéis para a reforma, é que a Dona Susana, uma rapariguita mais nova que lá andava, essa acho que já tinha um cursito qualquer tirado à noite, porque essa até bonecos já sabia fazer no computador. E essa, é que me esteve a mostrar, à pressa, estas coisinhas básicas de escrever, de fazer umas contitas e enviar e-mails. A Rosa sabe enviar mensagens pelo computador? Olhe que me entretenho muito com isto, volta e meia, recebo umas anedotas e uns vídeos engraçados, dos meus colegas da Relação, da malta da Tropa e de alguns rapazes que estudaram comigo no Liceu. Até lhe mostrava o video que recebi ontem à noite do Coronel - ele também sabe usar isto porque a esposa aprendeu na Universidade Sénior - mas é capaz de ser um pouco brejeiro para uma senhora, ainda mais casada, como a Rosa. 
Agora, eu também podia ir para a Universidade Sénior, aprender a jogar às cartas no digital, para as noites em que o Coronel não pode cá vir, mas aquilo está carregadinho de mulheres viúvas e carentes. E se eu não casei em novo, também não há-de ser agora, não está claro? E pior que essas desgraçadas, abandonadas pelo marido por forças da ceifeira-mor, são as solteironas. Irra! Que chatas! E acha que aquilo é paixão de forma alguma? É nada, elas vêm é fisgadas à minha pensão, que é considerável, por saberem que fui juíz. Não se pode ter um pé de meia, Rosinha, olhe, não seja tonta, aproveite a vida enquanto pode e tem saúde. Logo que acabe o seu serviço, ponha-se a andar que ainda apanha a matiné... Antes, veja só se me sabe guardar aqui este ficheiro, a minha pasta dos assuntos sérios tem o meu nome: Osvaldo

Sem comentários:

Enviar um comentário

Speak up your mind!