sábado, 26 de outubro de 2013

E Fumou Um Cigarro Presumido



O fumador é, invariavelmente, uma pessoa circunspecta, grave. Ninguém se atreveria, jamais, a importuna-lo. Aquele que fuma não está, tão somente, a segurar um cigarro entre os dedos e a inalar vapores através do vácuo causado pela sua boca. Oh não! Desengane-se o incauto transeunte que, desatento, possa passar pela esplanada e tal pensar. Aquele que fuma, reflecte. Reflecte pausada e profundamente. Tão pausadamente quanto os movimentos que, estudadamente, desenha no ar com o cigarro nos dedos. Tão profundamente quanto o fumo que desce a traqueia. Oh sim! Ele tem uma vida deveras complicada. Veja-se na expressão de sofrimento e seriedade que se estampa no seu rosto mal coloca o cigarro entre os lábios e se precipita para o bolso dos jeans em busca do isqueiro. 
Todos os seus problemas ascendem à mente aquando da primeira baforada. Como num passe de mágica, a pessoa que há segundos sorria bem disposta, transforma-se num importante pensador. Num filósofo. É possível que esteja a tentar lembrar-se de quem marcou o golo do Benfica no jogo de ontem à noite ou a tentar adivinhar quem sairá da Casa dos Segredos no serão de depois de amanhã. Tão superficialmente como o benzeno que aflige os olhos passivos à sua volta. Todavia, aos olhos de quem o observa, a pessoa que fuma, esforça-se por decifrar o mistério da vida ou raciocina acerca da melhor solução para acabar com os conflitos da Síria. Tão profundamente como a amónia que lhe atravessa os alvéolos. Tanto faz! Na pausa para o cigarrinho todos são reis e, como tal, devem ser respeitados. 
A afectação da maior das cabeças de vento quando se mune de algo fumável, seja um charuto, seja um fósforo, é um fenómeno curiosíssimo. O ar extremamente pensativo, os olhos semi-cerrados, a urgência em encontrar sítio onde depositar as cinzas, a sofreguidão ao inspirar, o modo aparatoso de expirar... em tudo se assemelha a uma cerimónia de tal forma solene, de tal forma nobre que, por momentos, esquecemos que aquele ser está a fazer algo de banal, copiado por vários outros milhões de pessoas. Não está a inventar a cura para a Sida, nem se prepara para receber o Prémio Nobel da Física.

Ah pois! Esta só a fumar... Pode relaxá-lo, dar-lhe prazer, mas nem por isso o torna mais inteligente. 



2 comentários:

  1. Não é precisamente para poder fazer isso que as pessoas fumam (no início pelo menos)?
    Também gosto dos contempladores do fumo, e daqueles que começam automaticamente a dar respostas mais vagas.

    (Descrição perfeita btw)

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    1. Sim, porque quando se está ocupado a fumar, não é fácil estar atento ao que os outros dizem. É demasiado multitasking.

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