Nunca se deve julgar um fruto
pela sua casca.
Quando pensam na vossa própria morte o que contemplam? Ficam a intuir como será a experiência pós-vida? Ou ficam a imaginar como reagiriam as pessoas mais próximas, as mediamente próximas, uma pessoa particular com quem pouco interagiram, quem seria a pessoa que descobria primeiro, como seriam as logísticas fúnebres e sobretudo emocionais dos vivos?
No fundo
na escura cova do nosso âmago
antes da insinceridade de todos os filtros e bandeiras de que somos partidários
e que interpomos sempre
que nos debruçamos conscientemente sobre isto
— no fundo —
todos diferentes temos igual convicção
que não há história
nem experiência
depois do fim.
Depois do fim não há nada.
Nada.
Nem mesmo vazio. Nem ausência. Nem nada.
Depois do fim não há.
A história escrever-se-á pelos vivos, o objetivo e o subjetivo pertencerão aos que respiram, quer a carne quer o éter são cognoscíveis pelo mesmo lado da barricada — os que não falam também não têm nada a dizer.
O nosso interesse historiográfico ou emocional pela nossa morte resume-se à experiência dos vivos, tal é a improbabilidade do resto ser relevante.
E um morto também não tem interesses.
Aprendia mais coisas
E achava-me então muito sábio.
Isso era evidência que não estava a aprender as coisas certas.
Querer do tempo,
mais.
Querer da dor,
ausência.
Querer do sonho,
substância.
Querer de mim,
outro.
Querer da neve,
branca.
Mas querer do branco,
quente.
Querer do outro,
outro.
Querer de tudo,
algo.
º
Querer de querer,
parar.
Eu sempre que tinha de estudar
escrevia poemas
porque temos de tirar alguma coisa cá de dentro
para caberem outras.
É bonita, não é, esta ideia? De que um poema é uma coisa que já existe cá dentro e que só a temos que encontrar e de a parir.
merda de ideias
merda de translação, isto estava tão mais bonito
na minha cabeça.
Aqui está menos poético
mais obstipado
talvez a vida seja assim
menos poética que o faccioso flow dos nossos pensamentos
e emoções
nós é que nunca os olhamos bem.
E ainda nos importunamos
com não ser belo o suficiente
se calhar era melhor arte
era uma fotografia mais honesta
um fruto sincero
— para quê tirar os caixotes do lixo do enquadramento
se a verdade é que estão lá?
Apanhei uma onda
e a música estava mesmo boa
era indie rock
cantado pelo gilberto gil
numa língua morta, antiga
que se enrolava mesmo bem com a espuma das ondas e
abracadabra
apercebi-me
que magia
estar ali no meio de uma imagem tao bonita
pintada pela boca do artista
e era engraçado
que a luz do sol brilhava debaixo da água
e emergia essa luz
e cá fora já era de noite e nem tinha notado
porque era daquelas noites quentes
que se não se estiver atento só se dá conta das horas já ao amanhecer
mergulhei então sem perder tempo
para ver aquela luz
e quando cheguei ao fundo do copo
tinha uma enorme pedra de gelo
e em cima dela um esquimó
a dizer que com o aquecimento global agora vivia-se melhor era nos congeladores das famílias europeias
e eu disse
que os frigoríficos americanos eram maiores.
A posse é uma troca.
Parece unívoca, mas não é, é uma troca.
Quando se possui algo ganha-se um direito mas perde-se um grau de liberdade.
Quando nos movemos num estado prévio, pueril e casto — que nunca chega realmente a existir — movemo-nos livres, equidistantes de tudo, porque não há referencial. A posse estabelece uma posição relativa, que deve ser mantida, no sentido de garantir esse mesmo direito transacionado.
Nós, seres desenhados na selva, projetados para a escassez, estamos intrinsecamente dispostos a abdicar da liberdade — um dos poucos bens abundantes na era pré-moderna — pelo direito de propriedade. Mas a posse paga uma renda alta. A posse exige manutenção e tem onerosos custos alocados à preservação do referencial. A posse é um saco pesado e grande e uma preocupação com ele ainda maior.
A posse e o desejo de exclusiva propriedade são intrínsecos e também por isso poderosos. São anti-pluralistas e são anti-democráticos, pelo menos na assembleia interna de cada um de nós. Ofuscam. Falam num tom demasiado alto. Não dão espaço à expressão de outros pensamentos no referencial cognitivo-emocional.
A posse é ubíqua.
A única cura é o eremitério.
Embora não pareça, o Ténis é um desporto que vale sobretudo pela música.
Percebi isso, certa vez, quando ouvi um surdo-mudo dizer que o ténis não passava de duas pessoas a jogar raquetes.
Acompanhe, meditando as palavras:
Quero fazer o que é melhor para mim.
Tenho uma crença do que será o melhor para mim.
Faço uma coisa diferente disso.
Conclua:
O que quiser.
Na matriz em que se monta a nossa existência
há uma sinfonia cósmica,
um elegante ensemble de cordas
que vibram
e são tão resistentes
que são capazes de manter suspenso este universo
como uma camisa pregada num estendal de outono.
Eu só queria agarrar-me a uma.
Qual liana.