segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O filme mais original

Se eu pudesse vertia um sonho de um cego de nascença para um video. As imagens de quem nunca viu imagens. A inimaginável forma como imaginam o mundo.

Silvestre, o melhor escritor do mundo

Depois de se ver envolvido num escândalo de doping por uso de LSD num concurso de escrita criativa, Silvestre teve de encarar o julgamento e a punição atribuídas.
Foi condenado a passar 2 anos no complexo com a estadia mais cara da cidade. Lá podia fazer tudo o que quisesse, excepto escrever. Excepto escrever e criar memórias (não fosse ele produzir e guardar mentalmente os textos, estava sempre num estado de amnésia anterógrada induzido).
O conhecimento público da decisão judicial causou uma vaga enorme de contestação social.
Todas as árvores se deslocaram ao palácio da justiça para se manifestarem contra a decisão. Levaram placas de plástico e metal com palavras de protesto (por razões óbvias vai contra a conduta moral de qualquer árvore usar cartolinas, papeis ou placas de madeira). Aquele que inicialmente tinha sido pensado como um protesto pacífico acabou por se desenrolar num cenário bem mais violento, com algumas plantas carnívoras tendo mesmo comido vários agentes da autoridade. Centenas de plantas acabaram detidas, — entenda-se portanto — postas em vasos.
Os protestos duraram semanas e muitas das árvores chegaram a criar raízes, acabando por se fazer um jardim na frente do tribunal.
As árvores mostravam-se contra a decisão por convicções religiosas. Explicando: Silvestre era considerado uma divindade para as árvores porque ele lhes concedia, através dos seus livros, uma vida depois da morte. Uma reencarnação em papel, em papel onde corria a vida de uma boa história (o termo reencarnação deveria ser apenas usado para animais e nem todos, que nem todos dão bife).
A Prisão-Hotel, o sítio onde deveria cumprir a sentença, funcionava como prisão para as pessoas felizes e estalagem de luxo para as pessoas infelizes (funcionava portanto ao contrário do resto do mundo, que no fundo é uma gigante estalagem de luxo para uma pessoa feliz).
Na Prisão-Hotel ninguém cria memórias. Os infelizes não se lembram do sofrimento que sentem, os felizes não recordam a felicidade. O esquecimento é talvez o maior deflator do valor do valor dos sentimentos.
Silvestre pediu recurso da decisão por legitimidade religiosa para o uso da substância. Ora após um referendo global telepático (é assim que se decide tudo na democracia perfeita) todos os votos foram em branco, porque nenhum cidadão se sentia devidamente informado para tomar uma posição (de resto isto é semelhante ao que acontece em votações por cá, mas aqui as pessoas votam na mesma no clube partido preferido). Ora, para "desempatar", foi dada ao escritor a oportunidade de votar.
Escolheu ser condenado, porque a existência de mártires dá aquele carisma às religiões...

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Sistemas de classificação

Os sistemas de classificação têm um de dois objectivos:
Ou é gerir um conjunto complexo, distribuí-lo, organizá-lo em gavetas conceptuais, de forma a tornar mais simples entender e identificar cada um dos elementos do conjunto;
Ou então é um outro objectivo menos virtuoso mas também muito comum: criar miríades de divisões (diversões diria!) e subdivisões sem grande critério nem coerência e que pouca coisa albergam, para dar um ar complexo e sofisticado a coisas que no fundo são simples, porque tudo o que parecer mais complicado e ininteligível torna-se mais apetecível — o fascínio pelo que não se compreende bem.
Divagando totalmente, ocorreu-me agora que deve ser isso também que justifica as atitudes consistentemente incoerentes e incompreensíveis de algumas pessoas, deve ser uma estratégia para se tornarem apetecíveis — "Ai que sou tão profunda e complicada" (também podia ser no masculino, mas convenhamos, quase todos pensámos nesta personagem como uma rapariga!)

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Com e Sem (semi-automático)

Agora escrevo muito mais no computador do que com o lápis (ou caneta, ou pena), não é porque goste mais de escrever no computador, porque não gosto, gosto mais de escrever à mão, o que eu gosto no computador é apagar, é por isso que escrevemos mais nesta máquina de escrever dos tempos modernos, porque no fundo o que todos adoramos é apagar. Gosto de escrever à mão e apagar com o computador. Oxalá fossem conciliáveis: escrita com a mão, com o papel, com o backspace e sem a borracha.
Por falar em mão, uma mão com outra mão com outro dono, por pensar em passear, passeios com natureza, por falar em natureza, deitar na relva sem preocupações, por falar em deitar, cama só com um lençol fresco no verão, mas porque o verão não vai para novo, cama com lençóis térmicos no inverno, melhor ainda, cama com alguém que a aqueceu primeiro, por pensar em conchinha, sexo com música, (por falar nisso, sexo sem cama), por falar em música, jazz com chuva, por falar em chuva, chuva com sol, por pensar em arco-íris, planícies verdes com lagoas, por falar em lagoas, peixes sem aquário e por falar nisso, aves sem gaiolas, por falar em animais, passeios com cães, por falar nesses passeios, ruas sem pastilhas elásticas (e também sem os detritos dos cães), por falar no lixo, contentor dos indiferenciados sem materiais recicláveis, por voltar às pastilhas elásticas, almoços fora com uma pastilha elástica no fim, por falar em dentes, sumo de laranja natural com palhinha, por falar em sumo, pizza com coca-cola, por falar em pizza, fim de noitada com pizza que sobrou do jantar (também se aplica à manhã seguinte), por falar em festa, festas com álcool, por falar em festas com álcool, festas sem álcool demais, por falar em festas, festas com boas conversas, por falar em boas conversas, temas sem o tema trabalho, estudo ou futebol, por falar em falar, falar com pensar, por falar nisso, opiniões com cunho próprio, ideias sem lugares-comuns, por falar em frases feitas: vou andando que se faz tarde!

terça-feira, 5 de agosto de 2014

O barbeiro

O barbeiro: mestre que domina de igual modo a arte de tosquiar artisticamente o cabelo como a de ter uma conversa genérica com um estranho.
Perito em substituir um silêncio em que nada se diz por uma conversa onde se diz tão pouco como se se continuasse calado.
Nem sempre terá sido assim. Tempos houve em que o barbeiro ( barbeiro-cirurgião) era um homem temido e por conseguinte respeitado. Exímio conhecedor do corpo humano, a lâmina  tanto cortava a barba como atravessava a pele, assim mandasse o caso. Sem anestesias nem conversas da treta. Sem a falsa promessa de que "não vai doer", porque ia, e porque a dor faz parte da cura, diziam, sem apoio bibliográfico a fundamentar. Sem uma conversa amena "nos entretantos" para distrair da agonia da antecipação.
Hoje não. Hoje fala-se do curso, de futebol e da notícia que estiver a dar na televisão, de tudo isso mas da maneira mais genérica possível. Fala-se de tudo sem se dizer nada. Nada de jeito pelo menos...
E o que foi feito do silêncio só quebrado por silvos de dor ou por alguma informação realmente relevante? Hoje é o oposto, não há silêncio, mas há gritos de tédio que são intensos mas mudos...

E só por aproximação grosseira

A única semelhança entre a escrita e a acção, é a forma da caneta.


sexta-feira, 13 de junho de 2014

Como criar zoombies? — A teoria d'O Mundo De Schrodinger

Estando há dezenas de anos fechado na caixa para servir de exemplo explicativo da teoria quântica, o gato de Schrodinger começou também ele a desenvolver uma teoria quântica sobre o mundo fora da caixa. É a seguinte: miau, miau, grrrrr...

Em linguagem inteligível por humanos a teoria quer dizer que, não tendo ele forma de observar o que se passa no exterior da caixa, e podendo o mundo ter sido devastado imprevisívelmente por uma invasão alien ou por uma doença ou virtualmente por qualquer coisaa humanidade (todos nós!) encontra-se num super-estado, simultâneamente viva e morta!
Este último parágrafo só terá provavelmente sentido para quem tiver algumas noções básicas sobre a física quântica.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

O Sotaque das Ideias

Até perto dos 18 anos eu nunca me tinha apercebido que a minha pronuncia podia indiciar de onde eu vinha. Claro eu reconhecia o sotaque nos outros, mas até ingressar na faculdade, deslocada de casa, nunca me tinha apercebido que eu poderia padecer também disso. Creio que isto acontece com a maioria das pessoas — não se apercebem que terão sotaque, quantas vezes bem marcado, até estarem numa zona onde a maioria das pessoas não partilha a sua maneira de falar. E a tendência inicial, quando confrontados é negarem: "Eu não tenho sotaque" ; "tu é que tens" ; "o normal é pronunciar-se assim". A tendência natural do ser humano é considerar aquilo a que está habituado — a sua realidade — como o padrão, o correcto. Claro que ao fim de inúmeros avisos, com todo o mundo parecendo concordar na identificação da sua diferença, lá começa a prestar atenção com o espírito mais aberto, e repara que tem fundamento. Isto nos sotaques é engraçado. Todos já nos rimos à custa disto.
Na forma de pensar há um fenómeno semelhante. As pessoas crescem, são educadas e vivem em nichos ideológicos onde raras vezes há lugar para o pluralismo de ideias. As coisas são ensinadas como tendo uma forma correcta, como se existisse uma verdade, muitas vezes dogmática, sem justificações que a acompanhem. É um paradoxo enorme, um desfasamento face à realidade, porque na verdade há tão pouco de absoluto, são raríssimos os assuntos cujo conhecimento seja unívoco. Mas é este sistema o que impera e é curioso que a reacção quando se confronta um desses monólitos intelectuais com uma ideia diferente é semelhante à reacção na questão fonética — a negação, sustentada não nos argumentos mas no hábito, hábito de pensar de uma determinada forma, imutável.
É o que eu chamo de sotaque ideológico. Apanha-se por contágio com os os conviventes mais próximos, líderes de opinião dos grupos em que estamos inseridos, educadores, ou em epidemias regionais ou mais gerais normalmente veiculadas pelos media.
Assuntos como religião, política e até conduta social gerem-se da mesma forma que o clubismo — herdam-se. E é pena, o objectivo devia ser dar a conhecer as diferentes opções, e permitir uma decisão própria e informada, ao invés de impingida



Vi uma vez a moral desta dissertação escrita a graffiti numa parede no Porto:
"Não faças do conhecimento blocos de duro cimento"

domingo, 20 de abril de 2014

Incoerente mas também coerente


Incoerente, indeciso e volátil — não sabe o que quer!
Coerente numa coisa: o som, tão bom!

(i want to be a) Gangsta


Gangsta no more

A Felicidade De Encontrar Um Padrão (remédio para o sono)

Oh, que doçura incomensurável encontrar um padrão!
Uma "explicação", mesmo que imprevisível, improvável, ridícula, que importa, mas algo que se possa ver, mesmo que muito de esguelha, como uma explicação. Oh que alívio!
Foi porque se passou por um gato preto nesse dia. Foi por ser sexta-feira treze — como da outra vez. Foi por ser uma semana depois de partir um espelho. Foi porque os signos não combinavam — bem dizia na revista maria. Foi porque entrou com o pé esquerdo no campo — nunca falhou um penalti quando entrou com o direito. Foi porque não levou a gravata da sorte — nunca corre bem quando leva outra. Foi porque o número da lotaria dessa semana foi uma capicua e nessas semanas não pode usar sapatos castanhos nos dias das avaliações — só que esqueceu-se, vejam bem! Foi, foi, foi por isso!
Procuramos avidamente por um destes padrões, é disto que gostamos: emoldurar estes poios intelectuais depois de tanto termos procurado, garimpeiros escatológicos, que na exaustão da procura até os inventámos.
Estes nossos tesouros tem essencialmente de cumprir duas funções.
A primeira é ilibar-nos, ora, estas coisas têm de preferência de não depender de nós; factores externos improváveis e imprevisíveis são os mais adequados. Que culpa teve ele de Marte estar desalinhado com Vénus? Não podia fazer nada! Esta é a função que vos vai deixar entrar facilmente no sono à noite, a respiração volta a ser profunda e calma e o vosso semblante enquanto adormecem torna-se angelical — a leveza com que ficam depois de deportar a culpa para fora da Terra...
A segunda é a que nos livra dos pesadelos matinais, terrores de impotência que nos acordariam na madrugada tardia. Esta segunda função é assegurar-nos de que o acaso não existe, é livrar-nos da vulnerabilidade do aleatório. Acha-se uma explicação estúpida e ela faz esquecer que pode nem haver uma razão efectiva controlável, ou pior, que se ela existir a ignoramos. Sem a percepção da ignorância não há a percepção da impotência! Perfeito! E depois é só evitar fazer os exames com canetas pretas!
E assim se passam noites descansadas na ressaca do fracasso! Desenha-se o sol numa folha de papel e acredita-se que a chuva está a parar de cair!

Vale a pena esta abordagem cobarde?

segunda-feira, 10 de março de 2014

Reconciliação — Esta e as Outras

Este é um post que equivale àquela conversa entre dois amigos ou um casal, após a resolução de um diferendo. Não que tenha havido qualquer periclitante discordância minha convosco, caros leitores, ou mesmo qualquer desagrado recalcado. Mas é certo que atravessámos um silêncio (que só não foi constrangedor porque já estamos tão mutuamente habituados), como aquele que se segue a uma desavença. Posto isto, cabe-me agora encarnar um papel clássico: vir sôfrega mas ternamente, transbordando de desejo já mal contido, tão fortemente exacerbado pela suposta anterior chatice, pegar-vos docemente nas mãos e partindo delas progredir geograficamente e conquistar com carícias todo o resto do corpo... Mas como a nossa relação é meramente virtual, e de cariz apenas intelectual, façam o contraponto desta imagem para o nosso contexto de referência — que sou eu como blogger pedir-vos desculpa por já não escrever aqui há muito tempo.
Cumpridas as formalidades da praxe passemos para o que interessa, que evidentemente neste caso será o que eu vos tenha a dizer. Ora e vamos aproveitar a temática e falar de reconciliações.
Engraçado que após uma briga/desavença haja uma intensificação positiva dos sentimentos. Curioso! Perante um erro, uma falha, após a sua correcção, não só se volta a atingir o patamar anterior, como ainda se supera este. E isto é uma característica exclusivas das relações. Nem na indústria, nem no desporto, nem na política nem na economia, nem em área alguma que me lembre, acontece algo semelhante. Após uma falha, a confiança nunca retoma ao nível prévio, porque se desconfia sempre de ser provável uma repetição da mesma. Mas talvez a questão seja mesmo essa, talvez essa intensidade dos afectos não traduza de facto uma maior confiança, talvez o contrário, talvez se exacerbem os sentimentos como forma de preencher e disfarçar essa lacuna na confiança. Explicações à parte, a existência do fenómeno é inegável, não é apenas mais um cliché infundado. O que eu reparo é que há pessoas, raparigas para ser preciso (não digo que não haja rapazes que o fazem, mas cinjo-me ao que observo) que parecem reconhecer isto como um recurso usável e procuram-no conscientemente. Pelo menos é a única explicação que eu encontro para a procura constante, insaciável (patológica?) por dramas relacionais. Farejam avidamente a mais insignificante situação para gerar um problema, um problema sério!, que terá de passar por todas as fases protocoladas de resolução de uma briga conjugal. O drama, a irredutibilidade, a aparente insolubilidade do problema, o afastamento e o silêncio, e por fim com todo o esplendor: a reconciliação! Esse pico, esse êxtase pós-depressão, esse sentimento de evolução desmedida desde a hora ou o dia anterior!
A minha única forma de entender isto, é que na impossibilidade de manterem uma relação basalmente interessante, motivante, boa o suficiente para ser considerada globalmente positiva, procuram gerar estas situações, esta instabilidade, este afundar mais um pouco aquilo que já é um afogamento crónico, para ganhar um bocadinho de impulso e ter mais uma breve golfada de oxigénio — mais uma reconciliação. Mais um pequeno momento intenso e saboroso para servir de memória positiva que se agarra e se revisita para ajudar a suportar mais uns tempos aquilo que em si já não faz grande sentido. Para parecer que ainda vale a pena. É triste... Mas se não for isto, alguém que me explique, é que vejo disto em tanto lado...
#desculpemlanaodizernadahatantotempo #voltei #continuoagostardevoces #istoetaoridiculo #entendaseestacritica(nãomerefiroàdotexto)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Ó Sócio!

Zé não sei o que andas a fazer aí no Porto, mas deves andar muito ocupado porque este blog está às moscas. Vê lá se queres perder a meia dúzia de visitantes que temos por dia (a contar com os vírus, evidentemente, temos imenso respeito por eles que também são filhos de Deus).

Vade Retro, Lúcifer

Epá, passo-me com este pessoal todo a espetar com comida no facebook. Uma pessoa já passa 75% do dia a pensar no assunto. Give us a break!

Red Velvet Oreo Truffle Fudge Cake  This was made for my bff - I'm certain of it!!

C'um caraças, vou almoçar que isto está impossível. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Bicho Papão

De vez em quando, com o coração a bater, dava bruscamente meia volta: que se passava nas minhas costas? Talvez a coisa começasse por trás de mim, e, quando me voltasse, fosse já tarde. Enquanto pudesse fixar os objectos, nada se passaria: olhava todos os que podia, pedras do chão, casas, candeeiros a gás; os meus olhos iam rapidamente de uns para os outros para os surpreender e os deter a meio da sua metamorfose. Não estavam com um ar inteiramente natural, mas eu dizia com força, para comigo: é um candeeiro, é um marco fontanário, e tentava, pelo poder do meu olhar, reduzi-los ao seu aspecto quotidiano. 
Jean-Paul Sartre, in A Náusea

A perfeita descrição do que experiencio sempre que ando às escuras.