Mostrar mensagens com a etiqueta Sociologia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Sociologia. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 1 de julho de 2015

A certeza é o estado de ignorância de pior prognóstico

O conhecimento é o processo de descobrir as razões pelas quais a resposta correcta é (sempre) "mais ou menos". 

Ou "depende".

Já vos escrevi sobre isto? Não estou certo. Escrevi isto há muitos meses num papel com o qual me cruzei hoje. Só a frase — o resto é reflexão de agora.

Quanto mais profundo é o conhecimento (em qualquer área) mais ele se aproxima do saber que nada é absoluto. Efectivamente quanto mais soubermos de uma matéria menos respostas taxativas podemos dar sobre ela. Porque não há verdades taxativas! Nem absolutas! Verdades absolutas são apenas sinónimo de conhecimento precário, insuficiente.
Isto é difícil e chato de explicar às pessoas. Porque no geral as pessoas querem precisamente uma resposta taxativa, simplista.
"Sim isto é mau." ; "Sim está correto." ; "Não, isto não faz bem." ; "Esta é a opção perfeita.".
Porque o mundo é mais fácil de lidar se for dividido em duas categorias, e o meio, o "depende", não é agradável. O depende passa a decisão para o nosso lado. E nós não gostamos de decisões — porque envolvem responsabilidade. 


Na mesma folha tinha também escrito: Na perfeita harmonia, perfeita apatia.
Mas discordo.
E não vou falar sobre isso porque não tenho tempo.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Não sei desenhar barcos

— Não sei desenhar barcos!
— E que tem isso?
— Tem que acho que precisava de desenhar uns.
— Precisas desenhar barcos e nao sabes?
— Creio que seja mais o inverso. Não sei desenhar barcos, e agora que me apercebi disso sinto que precisava de saber.
— Que tipo de barcos?
— Naturalmente galeões, que são os que menos sei desenhar.
— Pois, foi essa necessidade que nos levou a conquistar os oceanos. A dominar os mares! E em boa verdade tudo o resto.
— A necessidade de desenhar barcos?
— Não, a necessidade de fazer o que não se consegue.


Belíssima música deste filho da mãe cujo título me inspirou para este texto sobre a verdadeira razão de quase todos os feitos épicos.

sábado, 17 de janeiro de 2015

Sobre o extremismo e o fundamentalismo

Sobre o quão ridículos são.


Poe's Law:


Sem uma indicador óbvio de que se trata de humor, é impossível criar uma paródia ao fundamentalismo que não vá, ela própria, ser interpretada por alguns como uma afirmação verdadeira.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Max Weber - o pai da sociologia

"O estado é uma entidade que reivindica (com sucesso) o monopólio do uso legítimo da força física"
Dá que pensar não é? 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Facebook e a Festa do Semáforo

Há muita gente que usa o facebook, de forma mais ou menos consciente, para fins, no fundo, de acasalamento. Vamos usar este termo só para tentar que a ideia choque um pouco, porque já todos sabíamos isso perfeitamente. Muita gente mesmo, é óbvio! Claro que as pessoas não admitirão isso para si — nem é preciso!
O facebook é como a festa do semáforo. As pessoas conhecem alguém que suscita interesse, e tanto num caso como noutro é quase sempre pela aparência (o ser humano é um animal muito visual). A seguir olham para a cor do cartão ou da roupa que trazem vestida para ver a disponibilidade. Se está verde — avançar! ; se está amarelo — avançar com precaução ; se está vermelho — avançar só se não houver polícia por perto. As pessoas fazem o mesmo com o facebook. Vão lá fazer a sua investigação, avaliar, e poupar perguntas (difíceis...) que podem esclarecer ao ver a conta do alvo. É simples ver se está verde ou vermelho, ou então que tipo de amarelo é. Há muitos tons de amarelo, vão a um catálogo de tintas que vocês vêem. E há muitos indícios para identificar o tom de amarelo, mas nem vou agora pincelar sobre isso.
Mas há quem use o facebook de uma forma que nem uma festa do semáforo iguala! Há quem vá percorrendo o facebook à procura de verdes e amarelos favoráveis em busca de estabelecer posteriormente o contacto. Uma triagem portanto. Inversão curiosa da ordem dos acontecimentos, que já eram em si peculiares. Inversão esta que em analogia corresponderia a chegar à entrada da festa, receber uma lista das pessoas presentes, separadas por cores e por tons, e escolher em que grupo se imiscuir!

Mas, e o que é que eu acho disto?
Não estou aqui para dar opiniões que isso hoje em dia é perigoso ter! Gosto de me imaginar neste texto como um jornalista, dos que escasseiam hoje em dia, a fazer um relato imparcial dos factos ( jornalista esse que teria escorregado somente em duas singelas ocasiões durante o texto, com os adjectivos QUALIFICATIVOS "curiosa" e "peculiares" — nada de muito grave portanto!)

domingo, 16 de novembro de 2014

Caso de estudo: O copo

Há um copo sedentário na janela do quarto há semanas. Observo-o todos os dias, nunca se move. Não se põe à sombra nem procura o sol. Impávido, está lá plantado, estou quase certo. Os copos da cozinha não são assim. São nómadas. Ora estão na mesa, ora estão na banca. Às vezes estão sequinhos no armário, outras vezes cheios de água cá fora. Ou ainda no meio termo, molhados e a secar no escorredor. Os copos que habitam a cozinha não passam 2 dias no mesmo sítio.
Pergunto-me porque é que aquele escolheu ser assim. Pergunto-me se escolheu sequer. Talvez seja o seu destino. Talvez o deus dos copos o tenha feito assim e querido assim o seu destino. Talvez apenas espere passivamente que o seu destino mude, porque está escrito. Outro copo, com crenças diferentes talvez se tivesse levantado e migrado até à cozinha. Mas este não.
Se ao menos eu pudesse fazer algo para o mudar... 

(Para que não pensem que estou aqui apenas numa história surrealista non-sense gostava de lembrar que a cultura popular já se debruçou sobre esta temática (de forma menos estilizada é certo) há incontável tempo, e deixou-nos ensinamentos como "fia-te na virgem e não corras")
(que me perdoem aqueles para quem bastava o texto sem esta adenda!)

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Silvestre, o melhor escritor do mundo

Depois de se ver envolvido num escândalo de doping por uso de LSD num concurso de escrita criativa, Silvestre teve de encarar o julgamento e a punição atribuídas.
Foi condenado a passar 2 anos no complexo com a estadia mais cara da cidade. Lá podia fazer tudo o que quisesse, excepto escrever. Excepto escrever e criar memórias (não fosse ele produzir e guardar mentalmente os textos, estava sempre num estado de amnésia anterógrada induzido).
O conhecimento público da decisão judicial causou uma vaga enorme de contestação social.
Todas as árvores se deslocaram ao palácio da justiça para se manifestarem contra a decisão. Levaram placas de plástico e metal com palavras de protesto (por razões óbvias vai contra a conduta moral de qualquer árvore usar cartolinas, papeis ou placas de madeira). Aquele que inicialmente tinha sido pensado como um protesto pacífico acabou por se desenrolar num cenário bem mais violento, com algumas plantas carnívoras tendo mesmo comido vários agentes da autoridade. Centenas de plantas acabaram detidas, — entenda-se portanto — postas em vasos.
Os protestos duraram semanas e muitas das árvores chegaram a criar raízes, acabando por se fazer um jardim na frente do tribunal.
As árvores mostravam-se contra a decisão por convicções religiosas. Explicando: Silvestre era considerado uma divindade para as árvores porque ele lhes concedia, através dos seus livros, uma vida depois da morte. Uma reencarnação em papel, em papel onde corria a vida de uma boa história (o termo reencarnação deveria ser apenas usado para animais e nem todos, que nem todos dão bife).
A Prisão-Hotel, o sítio onde deveria cumprir a sentença, funcionava como prisão para as pessoas felizes e estalagem de luxo para as pessoas infelizes (funcionava portanto ao contrário do resto do mundo, que no fundo é uma gigante estalagem de luxo para uma pessoa feliz).
Na Prisão-Hotel ninguém cria memórias. Os infelizes não se lembram do sofrimento que sentem, os felizes não recordam a felicidade. O esquecimento é talvez o maior deflator do valor do valor dos sentimentos.
Silvestre pediu recurso da decisão por legitimidade religiosa para o uso da substância. Ora após um referendo global telepático (é assim que se decide tudo na democracia perfeita) todos os votos foram em branco, porque nenhum cidadão se sentia devidamente informado para tomar uma posição (de resto isto é semelhante ao que acontece em votações por cá, mas aqui as pessoas votam na mesma no clube partido preferido). Ora, para "desempatar", foi dada ao escritor a oportunidade de votar.
Escolheu ser condenado, porque a existência de mártires dá aquele carisma às religiões...

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Sistemas de classificação

Os sistemas de classificação têm um de dois objectivos:
Ou é gerir um conjunto complexo, distribuí-lo, organizá-lo em gavetas conceptuais, de forma a tornar mais simples entender e identificar cada um dos elementos do conjunto;
Ou então é um outro objectivo menos virtuoso mas também muito comum: criar miríades de divisões (diversões diria!) e subdivisões sem grande critério nem coerência e que pouca coisa albergam, para dar um ar complexo e sofisticado a coisas que no fundo são simples, porque tudo o que parecer mais complicado e ininteligível torna-se mais apetecível — o fascínio pelo que não se compreende bem.
Divagando totalmente, ocorreu-me agora que deve ser isso também que justifica as atitudes consistentemente incoerentes e incompreensíveis de algumas pessoas, deve ser uma estratégia para se tornarem apetecíveis — "Ai que sou tão profunda e complicada" (também podia ser no masculino, mas convenhamos, quase todos pensámos nesta personagem como uma rapariga!)

quarta-feira, 21 de maio de 2014

O Sotaque das Ideias

Até perto dos 18 anos eu nunca me tinha apercebido que a minha pronuncia podia indiciar de onde eu vinha. Claro eu reconhecia o sotaque nos outros, mas até ingressar na faculdade, deslocada de casa, nunca me tinha apercebido que eu poderia padecer também disso. Creio que isto acontece com a maioria das pessoas — não se apercebem que terão sotaque, quantas vezes bem marcado, até estarem numa zona onde a maioria das pessoas não partilha a sua maneira de falar. E a tendência inicial, quando confrontados é negarem: "Eu não tenho sotaque" ; "tu é que tens" ; "o normal é pronunciar-se assim". A tendência natural do ser humano é considerar aquilo a que está habituado — a sua realidade — como o padrão, o correcto. Claro que ao fim de inúmeros avisos, com todo o mundo parecendo concordar na identificação da sua diferença, lá começa a prestar atenção com o espírito mais aberto, e repara que tem fundamento. Isto nos sotaques é engraçado. Todos já nos rimos à custa disto.
Na forma de pensar há um fenómeno semelhante. As pessoas crescem, são educadas e vivem em nichos ideológicos onde raras vezes há lugar para o pluralismo de ideias. As coisas são ensinadas como tendo uma forma correcta, como se existisse uma verdade, muitas vezes dogmática, sem justificações que a acompanhem. É um paradoxo enorme, um desfasamento face à realidade, porque na verdade há tão pouco de absoluto, são raríssimos os assuntos cujo conhecimento seja unívoco. Mas é este sistema o que impera e é curioso que a reacção quando se confronta um desses monólitos intelectuais com uma ideia diferente é semelhante à reacção na questão fonética — a negação, sustentada não nos argumentos mas no hábito, hábito de pensar de uma determinada forma, imutável.
É o que eu chamo de sotaque ideológico. Apanha-se por contágio com os os conviventes mais próximos, líderes de opinião dos grupos em que estamos inseridos, educadores, ou em epidemias regionais ou mais gerais normalmente veiculadas pelos media.
Assuntos como religião, política e até conduta social gerem-se da mesma forma que o clubismo — herdam-se. E é pena, o objectivo devia ser dar a conhecer as diferentes opções, e permitir uma decisão própria e informada, ao invés de impingida



Vi uma vez a moral desta dissertação escrita a graffiti numa parede no Porto:
"Não faças do conhecimento blocos de duro cimento"

domingo, 20 de abril de 2014

A Felicidade De Encontrar Um Padrão (remédio para o sono)

Oh, que doçura incomensurável encontrar um padrão!
Uma "explicação", mesmo que imprevisível, improvável, ridícula, que importa, mas algo que se possa ver, mesmo que muito de esguelha, como uma explicação. Oh que alívio!
Foi porque se passou por um gato preto nesse dia. Foi por ser sexta-feira treze — como da outra vez. Foi por ser uma semana depois de partir um espelho. Foi porque os signos não combinavam — bem dizia na revista maria. Foi porque entrou com o pé esquerdo no campo — nunca falhou um penalti quando entrou com o direito. Foi porque não levou a gravata da sorte — nunca corre bem quando leva outra. Foi porque o número da lotaria dessa semana foi uma capicua e nessas semanas não pode usar sapatos castanhos nos dias das avaliações — só que esqueceu-se, vejam bem! Foi, foi, foi por isso!
Procuramos avidamente por um destes padrões, é disto que gostamos: emoldurar estes poios intelectuais depois de tanto termos procurado, garimpeiros escatológicos, que na exaustão da procura até os inventámos.
Estes nossos tesouros tem essencialmente de cumprir duas funções.
A primeira é ilibar-nos, ora, estas coisas têm de preferência de não depender de nós; factores externos improváveis e imprevisíveis são os mais adequados. Que culpa teve ele de Marte estar desalinhado com Vénus? Não podia fazer nada! Esta é a função que vos vai deixar entrar facilmente no sono à noite, a respiração volta a ser profunda e calma e o vosso semblante enquanto adormecem torna-se angelical — a leveza com que ficam depois de deportar a culpa para fora da Terra...
A segunda é a que nos livra dos pesadelos matinais, terrores de impotência que nos acordariam na madrugada tardia. Esta segunda função é assegurar-nos de que o acaso não existe, é livrar-nos da vulnerabilidade do aleatório. Acha-se uma explicação estúpida e ela faz esquecer que pode nem haver uma razão efectiva controlável, ou pior, que se ela existir a ignoramos. Sem a percepção da ignorância não há a percepção da impotência! Perfeito! E depois é só evitar fazer os exames com canetas pretas!
E assim se passam noites descansadas na ressaca do fracasso! Desenha-se o sol numa folha de papel e acredita-se que a chuva está a parar de cair!

Vale a pena esta abordagem cobarde?

segunda-feira, 10 de março de 2014

Reconciliação — Esta e as Outras

Este é um post que equivale àquela conversa entre dois amigos ou um casal, após a resolução de um diferendo. Não que tenha havido qualquer periclitante discordância minha convosco, caros leitores, ou mesmo qualquer desagrado recalcado. Mas é certo que atravessámos um silêncio (que só não foi constrangedor porque já estamos tão mutuamente habituados), como aquele que se segue a uma desavença. Posto isto, cabe-me agora encarnar um papel clássico: vir sôfrega mas ternamente, transbordando de desejo já mal contido, tão fortemente exacerbado pela suposta anterior chatice, pegar-vos docemente nas mãos e partindo delas progredir geograficamente e conquistar com carícias todo o resto do corpo... Mas como a nossa relação é meramente virtual, e de cariz apenas intelectual, façam o contraponto desta imagem para o nosso contexto de referência — que sou eu como blogger pedir-vos desculpa por já não escrever aqui há muito tempo.
Cumpridas as formalidades da praxe passemos para o que interessa, que evidentemente neste caso será o que eu vos tenha a dizer. Ora e vamos aproveitar a temática e falar de reconciliações.
Engraçado que após uma briga/desavença haja uma intensificação positiva dos sentimentos. Curioso! Perante um erro, uma falha, após a sua correcção, não só se volta a atingir o patamar anterior, como ainda se supera este. E isto é uma característica exclusivas das relações. Nem na indústria, nem no desporto, nem na política nem na economia, nem em área alguma que me lembre, acontece algo semelhante. Após uma falha, a confiança nunca retoma ao nível prévio, porque se desconfia sempre de ser provável uma repetição da mesma. Mas talvez a questão seja mesmo essa, talvez essa intensidade dos afectos não traduza de facto uma maior confiança, talvez o contrário, talvez se exacerbem os sentimentos como forma de preencher e disfarçar essa lacuna na confiança. Explicações à parte, a existência do fenómeno é inegável, não é apenas mais um cliché infundado. O que eu reparo é que há pessoas, raparigas para ser preciso (não digo que não haja rapazes que o fazem, mas cinjo-me ao que observo) que parecem reconhecer isto como um recurso usável e procuram-no conscientemente. Pelo menos é a única explicação que eu encontro para a procura constante, insaciável (patológica?) por dramas relacionais. Farejam avidamente a mais insignificante situação para gerar um problema, um problema sério!, que terá de passar por todas as fases protocoladas de resolução de uma briga conjugal. O drama, a irredutibilidade, a aparente insolubilidade do problema, o afastamento e o silêncio, e por fim com todo o esplendor: a reconciliação! Esse pico, esse êxtase pós-depressão, esse sentimento de evolução desmedida desde a hora ou o dia anterior!
A minha única forma de entender isto, é que na impossibilidade de manterem uma relação basalmente interessante, motivante, boa o suficiente para ser considerada globalmente positiva, procuram gerar estas situações, esta instabilidade, este afundar mais um pouco aquilo que já é um afogamento crónico, para ganhar um bocadinho de impulso e ter mais uma breve golfada de oxigénio — mais uma reconciliação. Mais um pequeno momento intenso e saboroso para servir de memória positiva que se agarra e se revisita para ajudar a suportar mais uns tempos aquilo que em si já não faz grande sentido. Para parecer que ainda vale a pena. É triste... Mas se não for isto, alguém que me explique, é que vejo disto em tanto lado...
#desculpemlanaodizernadahatantotempo #voltei #continuoagostardevoces #istoetaoridiculo #entendaseestacritica(nãomerefiroàdotexto)

sábado, 4 de janeiro de 2014

Os Festejos do Ano Novo

Curioso este hábito de celebrar, com tanto fulgor, o quê afinal? A Terra ter completado mais uma volta em torno do sol? Não é bem isso, porque a órbita terrestre não tem propriamente um início ou fim. Se fosse essa a ideia celebrava-se no equinócio ou no solstício. Celebrar então que a Terra tenha dado mais uma volta em torno do sol, desde a celebração do ano passado?
É uma celebração um bocado oca, até estúpida, mas já está tão enraizada culturalmente que é bastante difícil darmos conta disso.
O que há a celebrar na passagem de ano é haver uma desculpa generalizada para uma festa generalizada. Há a celebrar ter uma boa oportunidade para um bom convívio. É talvez o dia mais fácil do ano para convencer toda a gente de que tem que se juntar para fins meramente recreativos. Não há, em si, grande razão de alegria por mudar o número do ano do calendário gregoriano.
Engraçado também, mas de existência mais compreensível, são as resoluções de ano novo. É uma data fácil de decorar, um marco, para olhar para trás, contextualizar no tempo e avaliar. Estes dias de Janeiro devem aqueles em que a Humanidade tem mais expectativas e planos. Vão depois, é claro, esmorecendo ao longo dos primeiros meses do ano, discretamente vão-se esbatendo, sem querermos dar por isso (incomoda reparar que não cumprimos o que nós próprios queríamos), até à transparência total.
Se não houvesse passagem de ano, seria este mundo um mundo pior? A julgar pela quantidade de boas decisões e bons planos traçados nesta data dir-se-ía que sim, mas uma segunda análise, que considera a perseverança das mesmas, indicia-nos que não seria grande a diferença.
Então, moral da história, aproveitem as passagens de ano acima de tudo como uma oportunidade de passar um bom bocado — é essa a única razão legítima para a sua existência festiva. Quanto a reavaliações, correcções e feitura de planos para endireitar a vossa vida, isso não é para ser feito nessa data, mas sim diariamente!

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

A Esmola Injusta

A esmola mais genuína que alguém pode dar, a mais difícil mas também a mais livre (e talvez por isso mais valorosa?), é aquela que é dada ao jovem ou adulto, que tem capacidade mais que suficiente para trabalhar, que é pedinte não porque a vida não lhe tenha dado oportunidades de não o ser, mas porque nunca as aproveitou. Essa é a esmola espontânea, independente, justa.

A esmola que damos mais facilmente é uma esmola condicionada. É a esmola que damos a um idoso ou uma criança, incapaz de trabalhar, inválido, frágil, doente ou deficiente. É um sentimento quase de culpa que descomprime os fechos das carteiras e facilita a retirada da pequena contribuição. É uma culpa pela nossa vantagem injusta, pela nossa sorte imerecida. É a dúvida subconsciente se a sorte e as oportunidades não serão de algum modo finitas, e distribuídas homogeneamente pelas pessoas, até esgotarem. E nessa ligeira angustia que vem perturbar a nosso importante dia, lá paramos e damos uma moeda. Cedemos um bilionésimo da nossa vantagem em prol do desventurado que nos apareceu para perturbar a nossa paz interior, paz essa alicerçada no esquecimento treinado. Atiramos um grão de areia para o outro prato da balança e seguimos caminho com a pose e a sensação de ter corrigido um desequilíbrio de toneladas. E a nossa paz não só é restaurada como é até orgulhosamente reforçada.  Essa esmola é injusta. É injusta porque parca, porque insuficiente, desproporcionalmente pequena para o bem que nos faz sentir. É injusta porque apesar de escassa ainda consegue não ser genuína. Porque é dada talvez mais a pensar no nosso bem estar interior que na ajuda a quem a recebe.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Ser Diferente - tirar nódoas de iogurte com sumo de cereja

A fuga em massa das escolhas das grandes massas gera uma idolatria generalizada por coisas de pouco valor, que consegue ser ainda mais estúpida do que a idolatria generalizada por coisas de valor razoável da qual se tentaram desassociar. 

Ser diferente é bom? É, ou melhor, pode ser. Não é bom isoladamente, é bom se associado a algo bom. É um potenciador de mérito, sem ter mérito por si. 
A mim não me interessa saber se é diferente ou se é novo sem saber se presta primeiro. Ser diferente é muito fácil. O desafio é ser pelo menos tão bom como o que já existe, de uma forma alternativa. Isso sim é valoroso!
É ridícula a febre pelo que chega novo e diferente, e ela é epidémica. Atinge desde as artes, à tecnologia, à culinária e até os medicamentos, veja-se bem!
Haja bom senso...

sábado, 26 de outubro de 2013

E Fumou Um Cigarro Presumido



O fumador é, invariavelmente, uma pessoa circunspecta, grave. Ninguém se atreveria, jamais, a importuna-lo. Aquele que fuma não está, tão somente, a segurar um cigarro entre os dedos e a inalar vapores através do vácuo causado pela sua boca. Oh não! Desengane-se o incauto transeunte que, desatento, possa passar pela esplanada e tal pensar. Aquele que fuma, reflecte. Reflecte pausada e profundamente. Tão pausadamente quanto os movimentos que, estudadamente, desenha no ar com o cigarro nos dedos. Tão profundamente quanto o fumo que desce a traqueia. Oh sim! Ele tem uma vida deveras complicada. Veja-se na expressão de sofrimento e seriedade que se estampa no seu rosto mal coloca o cigarro entre os lábios e se precipita para o bolso dos jeans em busca do isqueiro. 
Todos os seus problemas ascendem à mente aquando da primeira baforada. Como num passe de mágica, a pessoa que há segundos sorria bem disposta, transforma-se num importante pensador. Num filósofo. É possível que esteja a tentar lembrar-se de quem marcou o golo do Benfica no jogo de ontem à noite ou a tentar adivinhar quem sairá da Casa dos Segredos no serão de depois de amanhã. Tão superficialmente como o benzeno que aflige os olhos passivos à sua volta. Todavia, aos olhos de quem o observa, a pessoa que fuma, esforça-se por decifrar o mistério da vida ou raciocina acerca da melhor solução para acabar com os conflitos da Síria. Tão profundamente como a amónia que lhe atravessa os alvéolos. Tanto faz! Na pausa para o cigarrinho todos são reis e, como tal, devem ser respeitados. 
A afectação da maior das cabeças de vento quando se mune de algo fumável, seja um charuto, seja um fósforo, é um fenómeno curiosíssimo. O ar extremamente pensativo, os olhos semi-cerrados, a urgência em encontrar sítio onde depositar as cinzas, a sofreguidão ao inspirar, o modo aparatoso de expirar... em tudo se assemelha a uma cerimónia de tal forma solene, de tal forma nobre que, por momentos, esquecemos que aquele ser está a fazer algo de banal, copiado por vários outros milhões de pessoas. Não está a inventar a cura para a Sida, nem se prepara para receber o Prémio Nobel da Física.

Ah pois! Esta só a fumar... Pode relaxá-lo, dar-lhe prazer, mas nem por isso o torna mais inteligente. 



sábado, 21 de setembro de 2013

Chomp, chomp, chomp

Há muita gente que me incomoda no autocarro. Não sei bem hierarquizar por grau de intensidade, cada um tem as suas particularidades. Mas quase não há viagem em que não encontre alguém que me apeteça expulsar do autocarro, ou do planeta. Muitos são os casos que povoam as "caminetes" da STCP. Gente a conversar aos gritos (ou alguém a falar ao telemóvel) é muito comum, por vezes até a discutir e podem ser de qualquer faixa etária ou género. Frequentemente, tenho o profundo infortúnio de ter um senhor (nunca vi mulheres assim, até agora), que tresanda a vinho, a sentar-se precisamente a meu lado. Não entendo como se chega àquele ponto de mau cheiro, às vezes logo pela manhã. Devem ser muitos dias a beber vinhaça sem lavar os dentes, tomar banho ou mudar de roupa. A pestilência é um mal geral ao ponto de não ser possível distinguir de que parte do corpo vem, é como uma nuvem que envolve o indivíduo. Outros odores desagradáveis povoam os autocarros, sendo os mais notórios o mau hálito marcado e o simples cheiro a pessoa que não se lava há uma semana. É incrível a força que a sujidade tem. Seria a perfeita arma de guerra, porque o cheiro a sujidade concentrado é insuportável e uma bomba dessas levaria os soldados inimigos à loucura, sem o inconveniente da destruição massiva e da radiação.



Hoje de manhã, quem me perturbou foi uma rapariga. Diametralmente oposta a mim a rapariga mascava uma pastilha elástica - uma pedra no sapato da etiqueta. Claro que não se limitou a mascá-la discretamente para não importunar quem viajava à sua volta. Nunca sequer lhe passou pela cabeça o quão aquele ruído repugnante que produz ao apertar e soltar os dentes da pastilha soa mal e irrita. Nunca ninguém a aconselhou a não o fazer. Ela descende de uma longa linhagem de pessoas que mascaram pastilha elástica orgulhosamente com a boca aberta. E continuará a fazê-lo porque para todas as pessoas próximas dela é algo normal e perfeitamente aceitável. Os seus filhos fá-lo-ão de igual forma porque o mais provável é que se case com alguém igualmente ignorante do bom-senso em sociedade. Perdoem-me a rispidez, mas ouvir e ver alguém a fazer bolas de chiclete, repetidamente, a meio metro da minha cara, despoleta este ser inflamado e intolerante em mim. Ainda agora ouço aquelas bolas a rebentarem à frente daquele olhar vazio de quem nunca pensa em grande coisa para além do como usar a maior quantidade de ganga possível num dia só. Eu tenho-me controlado. Bastante. Mas se um dia destes houver uma grande zaragata num dos autocarros da STCP, provavelmente serei eu a perder as estribeiras a exigir a alguém que escove os dentes ou que ponha  o raio da Happydent no lixo (ou na boca do senhor com péssimo hálito, eram dois coelhos...).

sábado, 14 de setembro de 2013

Drogas Sociais

Uma banda desenhada sobre como actividades tão díspares são na verdade formas diferentes de procurar o mesmo prazer, ou melhor dito, a mesma fuga imatura, a mesma consolação doentia de um ser carente e frágil. Forma rara de transmitir ideias deste cariz. Uma bela peça de arte.



Para quem não reparou, e porque merece que se leia: escrito por Marc Maron, ilustrado por Gavin Aung Than

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Atlântida e o conhecimento não sustentável

Atlântida seria uma civilização pródiga, a sociedade perfeita e evoluída, que foi amaldiçoada pelos Deuses depois de se tornar gananciosa, e foi destruída por um desastre natural, um vulcão, um tsunami, um cometa — neste parâmetro as versões variam.
Eu não creio que tenha sido bem assim. Reconto-a:
Os Atlantes viviam na sua sociedade extremamente evoluída, orgulhosamente sós, no meio do Atlântico, rodeados só por mar e informação. O seu mote era a busca pelo conhecimento. Insaciáveis! Viviam na busca de saber mais, mais ainda, de saber tudo, e haveriam de o conseguir. A ciência fervilhava, era produzida em grande escala, industrialmente! Os despojos dessa grande maquinaria intelectual iam-se acumulando, a poluição mental enevoava o futuro como o smog. A filosofia era a sua religião. Entregaram-se à causa única da conquista do conhecimento total. E digo o conhecimento e não o saber. Foram chacinando todos os mistérios, um a seguir ao outro. Da infimidade das partículas à infinitude do cosmos, tudo escrutinaram, tudo desnudaram. E foram esgotando o conhecimento porvir, da mesma forma que a plantação excessiva esgota a terra. Beberam sofregamente o conhecimento até à última gota, e o último bastião a cair, a última e derradeira descoberta, foi qual era a condição essencial à felicidade, e que a tinham destruído irremediavelmente — a ignorância.
Donos do conhecimento absoluto, mas sem rumo e sem esperança, incapazes de esquecer, afundaram a ilha e fizeram dela o seu túmulo colectivo, no fundo de uma fossa abissal, algures no Atlântico — onde a maioria dos peixes são cegos e os que não são têm uma memória muito curta para se lembrarem do que viram.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

A praia e o Homem recolector

Duas toalhas geminadas dão abrigo aos personagens principais da história de hoje. Ser personagem principal significa que toda a história, bem como as participações dos outros intervenientes, se desenrolam à sua volta.
Duas almas geminadas habitam então essas toalhas.
Um biquíni moreno veste um pouco da pele preta da rapariga na toalha da direita. O vizinho contrasta.
O cabelo escuro e longo, maioritariamente liso, por vezes reivindica o direito a ter vontade própria, soprado na brisa. O cabelo do vizinho também contrasta.
O vizinho, proprietário da toalha contígua, é um rapaz que Deus não abençoou com muita melanina mas compensou com um cabelo aloirado que cresceu aos caracóis. No vizinho nem os calções têm muito pigmento, são brancos e contrastam com o biquíni preto do lado. Onde há mais pigmento no rapaz é nas costas, mas é sintético: uma tatuagem grande dá-lhe um ar de bad boy que a cara não corrobora.
Abraçam-se. Ele afaga-lhe o cabelo com uma mão, a outra pousou no limbo. Para uns ainda costas, para outros já nádegas; eu cá não me manifesto sobre assuntos polémicos. Exerce aquela pressão exacta para transmitir a mensagem sem ser explícito. Talvez não se possa afirmar que aquela mão a esteja a puxar para si, mas muito menos que a deixa afastar-se livremente. É um gesto comedido.
Beijam-se. A mão transmite agora uma ideia bem mais decidida. Os corpos estão algo entrelaçados, mas o entrosamento é facilmente reversível por conta da rapariga. As pernas dela vão assumindo posições de dúvida. Os pés rodam para dentro e brincam por vezes com a areia. É vergonha?
Alguns metros ao lado, do lado do rapaz, uma outra rapariga vai assistindo. Curiosa vai julgando a indecisão da protagonista.
No hemisfério oposto, do lado das costas da rapariga, um juvenil vai invejando o protagonista. Está do lado certo para invejá-lo.
Mais atrás, uma mulher vai prestando mais atenção a esta história do que à do livro que está a ler.
Um casal com dois filhos revê-se na cena com nostalgia, mas não falam sobre isso.
O Mar é dos poucos totalmente indiferentes. Na praia todos são um pouco espiões.
Há na protagonista, deitada sobre o lado, um vale fértil entre as costelas e a anca. Aquele vale tem as condições ideais para o Homem deixar de ser nómada. Naquele vale, onde o sol incide amornando e doirando toda a geografia, a terra não é árida, não é seca nem pedregosa. Parece macia e húmida, perfeita para o cultivo. Ali cresceriam todo o tipo de sementes, assim fossem lançadas, e o Homem deixaria de ser recolector.
A incerteza da rapariga não permite nem que o Homem nem que a situação evoluam. O Homem, não se fixando no vale, mantém-se sujeito à fome e à eterna busca incerta, permanece nómada, mas guarda a esperança de encontrar outra oportunidade no futuro. O momento de intimidade, acaba por extinguir-se, pouco depois. A mão regressa, cabisbaixa. Talvez no fim da tarde.
Sentam-se. Conversam. É uma negociação. Ela cede, sem dificuldade — vão ao mar.
Levantam-se. Afastam-se. A rapariga deixa pegadas muito bonitas.
Os espectadores voltam para o que estavam a fazer.
O Mar continua indiferente.
Vocês voltam para o facebook.


quinta-feira, 11 de julho de 2013

A força de não fazer força I

Num reino distante, no espaço e no tempo, o terror pululava mais que o musgo naquele outono húmido. Todos tinham medo de sair de casa. Um temível grupo de salteadores assombrava a população, vagueando pelas terras à procura das suas vítima.
A grande maioria dos desafortunados, ao encontrar os assaltantes e sabendo o que os esperava, tentava fugir. As estatísticas medievais dizem que apenas dois entre centenas correram o suficiente para contar a história. A todos os outros a morte cessou a fuga. Perante o medo que se leu na sua atitude, a lâmina fria percorreu toda a espessura dos seus pescoços - foram executados sem misericórdia,
Certos infelizes, muito poucos, ao encontrar os carrascos e sabendo o que os esperava, tentavam lutar. As estatísticas medievais dizem que nenhum entre dezenas lutou o suficiente para contar a história. A todos a morte cessou o combate. Perante a coragem que se leu na sua atitude, a lâmina aquecida pela batalha percorreu toda a espessura dos seus pescoços - foram executados sem misericórdia
Um, um só misterioso forasteiro, ao encontrar os salteadores, sabendo o que o esperava?, não tentou fugir e não tentou lutar. Apenas os encarou, com tamanha serenidade e confiança que os malfeitores não puderam estar certos que aquilo fosse só ignorância. As estatísticas medievais dizem que um entre um fê-lo bem o suficiente para contar a história. Perante a certeza que se leu na sua atitude, a lâmina amornada pela insegurança percorreu toda a longitude das bainhas dos assaltantes - não lhe fizeram nada. Sem saberem como lidar com aquela inesperada atitude, fingiram nervosamente um ar de desdém, embainharam as espadas desnudadas e partiram (Quem nunca viu esta reacção?).
Nunca mais foram vistos por aquelas bandas, e o medo foi murchando como o musgo num Verão quente.
Do forasteiro nunca ninguém soube muito mais, porque seguiu caminho na madrugada seguinte.

Os animais perante uma situação de ameaça reagem de duas formas: lutando ou fugindo (fight-or-flight). Um ser capaz de reagir de uma forma diferente revela-se manifestamente superior.

Por vezes a atitude não beligerante é a mais temerosa.