O conhecimento é o processo de descobrir as razões pelas quais a resposta correcta é (sempre) "mais ou menos".
Ou "depende".
Já vos escrevi sobre isto? Não estou certo. Escrevi isto há muitos meses num papel com o qual me cruzei hoje. Só a frase — o resto é reflexão de agora.
Quanto mais profundo é o conhecimento (em qualquer área) mais ele se aproxima do saber que nada é absoluto. Efectivamente quanto mais soubermos de uma matéria menos respostas taxativas podemos dar sobre ela. Porque não há verdades taxativas! Nem absolutas! Verdades absolutas são apenas sinónimo de conhecimento precário, insuficiente.
Isto é difícil e chato de explicar às pessoas. Porque no geral as pessoas querem precisamente uma resposta taxativa, simplista.
"Sim isto é mau." ; "Sim está correto." ; "Não, isto não faz bem." ; "Esta é a opção perfeita.".
Porque o mundo é mais fácil de lidar se for dividido em duas categorias, e o meio, o "depende", não é agradável. O depende passa a decisão para o nosso lado. E nós não gostamos de decisões — porque envolvem responsabilidade.
Na mesma folha tinha também escrito: Na perfeita harmonia, perfeita apatia.
Mas discordo.
E não vou falar sobre isso porque não tenho tempo.
— Não sei desenhar barcos!
— E que tem isso?
— Tem que acho que precisava de desenhar uns.
— Precisas desenhar barcos e nao sabes?
— Creio que seja mais o inverso. Não sei desenhar barcos, e agora que me apercebi disso sinto que precisava de saber.
— Que tipo de barcos?
— Naturalmente galeões, que são os que menos sei desenhar.
— Pois, foi essa necessidade que nos levou a conquistar os oceanos. A dominar os mares! E em boa verdade tudo o resto.
— A necessidade de desenhar barcos?
— Não, a necessidade de fazer o que não se consegue.
Belíssima música deste filho da mãe cujo título me inspirou para este texto sobre a verdadeira razão de quase todos os feitos épicos.
Escrevo para desencorajar uma estratégia ridícula.
Ser mais infeliz não é sinónimo de ser mais adulto.
Ser carrancudo também não.
A sério, partidários e praticantes dessa ideia, afianço-vos — não é!
Mas pensando bem talvez resulte, perante outros como vocês. Afinal de contas, se vocês acreditam que esse ar grave e aquele pesar postiço vos faz parecer mais maduros certamente é porque o interpretam assim nos outros.
Provavelmente as pessoas mais velhas até serão, em média, menos felizes. Porque tem mais responsabilidades e problemas, porque a vida é mais monótona, ou porque os seus olhos é que já lhe vêm pior os tons, porque os níveis de endorfinas no cérebro decrescem com a idade, porque está escrito nas estrelas, porque com a idade vêm as cataratas e já não dá para ver essas estrelas, porque é difícil ser feliz quando nos doem "as cruzes", eu não sei. Agora não é certamente por serem mais maduros. E muito menos por serem mais sábios.
Há muita gente que usa o facebook, de forma mais ou menos consciente, para fins, no fundo, de acasalamento. Vamos usar este termo só para tentar que a ideia choque um pouco, porque já todos sabíamos isso perfeitamente. Muita gente mesmo, é óbvio! Claro que as pessoas não admitirão isso para si — nem é preciso!
O facebook é como a festa do semáforo. As pessoas conhecem alguém que suscita interesse, e tanto num caso como noutro é quase sempre pela aparência (o ser humano é um animal muito visual). A seguir olham para a cor do cartão ou da roupa que trazem vestida para ver a disponibilidade. Se está verde — avançar! ; se está amarelo — avançar com precaução ; se está vermelho — avançar só se não houver polícia por perto. As pessoas fazem o mesmo com o facebook. Vão lá fazer a sua investigação, avaliar, e poupar perguntas (difíceis...) que podem esclarecer ao ver a conta do alvo. É simples ver se está verde ou vermelho, ou então que tipo de amarelo é. Há muitos tons de amarelo, vão a um catálogo de tintas que vocês vêem. E há muitos indícios para identificar o tom de amarelo, mas nem vou agora pincelar sobre isso.
Mas há quem use o facebook de uma forma que nem uma festa do semáforo iguala! Há quem vá percorrendo o facebook à procura de verdes e amarelos favoráveis em busca de estabelecer posteriormente o contacto. Uma triagem portanto. Inversão curiosa da ordem dos acontecimentos, que já eram em si peculiares. Inversão esta que em analogia corresponderia a chegar à entrada da festa, receber uma lista das pessoas presentes, separadas por cores e por tons, e escolher em que grupo se imiscuir!
Mas, e o que é que eu acho disto?
Não estou aqui para dar opiniões que isso hoje em dia é perigoso ter! Gosto de me imaginar neste texto como um jornalista, dos que escasseiam hoje em dia, a fazer um relato imparcial dos factos ( jornalista esse que teria escorregado somente em duas singelas ocasiões durante o texto, com os adjectivos QUALIFICATIVOS "curiosa" e "peculiares" — nada de muito grave portanto!)
Porque é que ignorância é felicidade?
Há duas formas de responder. A simples e a complexa.
A simples, e não menos verdadeira:
Porque as coisas geralmente nunca são tão belas como aparentam superficialmente. Conhecer é ver em maior profundidade, onde estão os bolores e as imperfeições, e ficar desagradado com isso. Ignorar, é ver a camada superficial e plástica, pasmar-se com ela, adorá-la incondicionalmente e ser ingénuo mas feliz.
A outra explicação:
O conhecimento é um processo ingrato. A satisfação é a sensação de possuíres aquilo que te importa. Se não souberes que há outras opções nunca estarás insatisfeito com o que tens. Se nunca explorares verdadeiramente as outras opções também não sentirás a falta delas. O segredo é não saberes o que não tens. Escolher é sempre perder algo.
Faz um só desenho para a tua vida, e transforma-te nele. Ama só uma mulher. Saboreia só uma cidade até a sentires tua. Vive só num país e grita só por ele. Apaixona-te só por um grupo restrito de actividades e de interesses. Poucos e bons, como recomenda o povo sábio. O teu povo! Segue desde o princípio uma só filosofia de vida, uma só posição política, uma só religião. E fá-lo amando sempre essa mesma mulher, nessa mesma cidade, a tua cidade, ouvindo aquela mesma banda, a vossa banda. Acredita piamente que tu foste feito para te encaixares na perfeição, e só, com aquilo que reuniste à tua volta. E sentir-te-ás confortável com as tuas escolhas e com o que lhes dedicas. Nunca te sentirás em falta.
Ou então explora, abraça e apaixona-te por muitos caminhos. Mas fá-lo sabendo que nunca mais serás completo. Parte. Vai. Parte. E depois parte-te, porque é inevitável. Nunca mais serás um todo. Deixarás sempre algo para trás.
Aventura-te mas sabe que carregarás sempre a saudade, e algo mais do que a saudade, que eu não sei bem o nome. Mas será assim, para onde quer que vás. E para onde quer que voltes.
Há um copo sedentário na janela do quarto há semanas. Observo-o todos os dias, nunca se move. Não se põe à sombra nem procura o sol. Impávido, está lá plantado, estou quase certo. Os copos da cozinha não são assim. São nómadas. Ora estão na mesa, ora estão na banca. Às vezes estão sequinhos no armário, outras vezes cheios de água cá fora. Ou ainda no meio termo, molhados e a secar no escorredor. Os copos que habitam a cozinha não passam 2 dias no mesmo sítio.
Pergunto-me porque é que aquele escolheu ser assim. Pergunto-me se escolheu sequer. Talvez seja o seu destino. Talvez o deus dos copos o tenha feito assim e querido assim o seu destino. Talvez apenas espere passivamente que o seu destino mude, porque está escrito. Outro copo, com crenças diferentes talvez se tivesse levantado e migrado até à cozinha. Mas este não.
Se ao menos eu pudesse fazer algo para o mudar...
(Para que não pensem que estou aqui apenas numa história surrealista non-sense gostava de lembrar que a cultura popular já se debruçou sobre esta temática (de forma menos estilizada é certo) há incontável tempo, e deixou-nos ensinamentos como "fia-te na virgem e não corras")
(que me perdoem aqueles para quem bastava o texto sem esta adenda!)
Os sistemas de classificação têm um de dois objectivos:
Ou é gerir um conjunto complexo, distribuí-lo, organizá-lo em gavetas conceptuais, de forma a tornar mais simples entender e identificar cada um dos elementos do conjunto;
Ou então é um outro objectivo menos virtuoso mas também muito comum: criar miríades de divisões (diversões diria!) e subdivisões sem grande critério nem coerência e que pouca coisa albergam, para dar um ar complexo e sofisticado a coisas que no fundo são simples, porque tudo o que parecer mais complicado e ininteligível torna-se mais apetecível — o fascínio pelo que não se compreende bem.
Divagando totalmente, ocorreu-me agora que deve ser isso também que justifica as atitudes consistentemente incoerentes e incompreensíveis de algumas pessoas, deve ser uma estratégia para se tornarem apetecíveis — "Ai que sou tão profunda e complicada" (também podia ser no masculino, mas convenhamos, quase todos pensámos nesta personagem como uma rapariga!)
O barbeiro: mestre que domina de igual modo a arte de tosquiar artisticamente o cabelo como a de ter uma conversa genérica com um estranho.
Perito em substituir um silêncio em que nada se diz por uma conversa onde se diz tão pouco como se se continuasse calado.
Nem sempre terá sido assim. Tempos houve em que o barbeiro ( barbeiro-cirurgião) era um homem temido e por conseguinte respeitado. Exímio conhecedor do corpo humano, a lâmina tanto cortava a barba como atravessava a pele, assim mandasse o caso. Sem anestesias nem conversas da treta. Sem a falsa promessa de que "não vai doer", porque ia, e porque a dor faz parte da cura, diziam, sem apoio bibliográfico a fundamentar. Sem uma conversa amena "nos entretantos" para distrair da agonia da antecipação.
Hoje não. Hoje fala-se do curso, de futebol e da notícia que estiver a dar na televisão, de tudo isso mas da maneira mais genérica possível. Fala-se de tudo sem se dizer nada. Nada de jeito pelo menos...
E o que foi feito do silêncio só quebrado por silvos de dor ou por alguma informação realmente relevante? Hoje é o oposto, não há silêncio, mas há gritos de tédio que são intensos mas mudos...
Oh, que doçura incomensurável encontrar um padrão! Uma "explicação", mesmo que imprevisível, improvável, ridícula, que importa, mas algo que se possa ver, mesmo que muito de esguelha, como uma explicação. Oh que alívio! Foi porque se passou por um gato preto nesse dia. Foi por ser sexta-feira treze — como da outra vez. Foi por ser uma semana depois de partir um espelho. Foi porque os signos não combinavam — bem dizia na revista maria. Foi porque entrou com o pé esquerdo no campo — nunca falhou um penalti quando entrou com o direito. Foi porque não levou a gravata da sorte — nunca corre bem quando leva outra. Foi porque o número da lotaria dessa semana foi uma capicua e nessas semanas não pode usar sapatos castanhos nos dias das avaliações — só que esqueceu-se, vejam bem! Foi, foi, foi por isso! Procuramos avidamente por um destes padrões, é disto que gostamos: emoldurar estes poios intelectuais depois de tanto termos procurado, garimpeiros escatológicos, que na exaustão da procura até os inventámos. Estes nossos tesouros tem essencialmente de cumprir duas funções. A primeira é ilibar-nos, ora, estas coisas têm de preferência de não depender de nós; factores externos improváveis e imprevisíveis são os mais adequados. Que culpa teve ele de Marte estar desalinhado com Vénus? Não podia fazer nada! Esta é a função que vos vai deixar entrar facilmente no sono à noite, a respiração volta a ser profunda e calma e o vosso semblante enquanto adormecem torna-se angelical — a leveza com que ficam depois de deportar a culpa para fora da Terra... A segunda é a que nos livra dos pesadelos matinais, terrores de impotência que nos acordariam na madrugada tardia. Esta segunda função é assegurar-nos de que o acaso não existe, é livrar-nos da vulnerabilidade do aleatório. Acha-se uma explicação estúpida e ela faz esquecer que pode nem haver uma razão efectiva controlável, ou pior, que se ela existir a ignoramos. Sem a percepção da ignorância não há a percepção da impotência! Perfeito! E depois é só evitar fazer os exames com canetas pretas! E assim se passam noites descansadas na ressaca do fracasso! Desenha-se o sol numa folha de papel e acredita-se que a chuva está a parar de cair! Vale a pena esta abordagem cobarde?