"Deus, podemos supô-lo, previu o homicídio, mas não a cirurgia. Nunca lhe passou pela cabeça que, um belo dia, o homem se atrevesse a meter as mãos no mecanismo que ele inventara e cuidadosamente embalara, selara e fechara com pele para melhor o furtar aos seus olhos."
Dito, digo, escrito pelo senhor Milan Kundera n'A insustentável leveza do ser.
Eu que olho para isto vejo não um mas dois furtos. É que Deus furtou-nos da visão esta sua invenção, obra-prima, magnífico e complexíssimo mecanismo, tapando-o com um invólucro de pele, porque dizem ser o segredo a alma do negócio. Já o Homem, o médico, o cirurgião, o curandeiro, furta a Deus um homem sempre que o cura, sempre que o compõe. Interfere e muda aquele que seria o desígnio natural, e portanto divino, desse ser. Se não o rouba pelo menos atrasa a sua devolução ao mestre, sem pedir primeiro a sua permissão.
Claro que se soubermos este Deus omnipotente temos então que admitir que Ele se deixa furtar, qual agricultor que olha paternalmente uma criança a apanhar uma maçã de uma árvore sua.
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