E a vida foi acontecendo
e nada mais foi simples
nada mais foi puro
ou evidente.
As certezas que eram muitas levantaram-se
e deram lugar só
à certeza da perpétua dúvida.
perpétuo tremor ao indicar.
a intenção com folga
que não aponta bem para nenhum lado.
O bom caminho passou a ter maus pedaços
e para nosso maior pesar
os caminhos mais reles ornamentaram-se de coisas boas
e interessantes
a tal ponto de serem indistintos.
Assustador como a vida se aproximou tanto da biologia.
Incerta. Probabilística. Básica.
Como gerações e gerações de ratos
a foderem uns com os outros,
ninhada após ninhada,
a fugir da extinção,
rumo a lugar nenhum.
Nós também.
Cada passo um passo mais longe do início
no êxtase da fuga só às vezes nos apercebemos que a fuga não é o plano.
cada passo um passo roubado à morte, dizia-se,
e a morte a rir-se que nem uma perdida
se tiver boca para isso.
Biologia!
Menino, tem o ADN necessário para vingar nesta selva e estabelecer-se no topo da pirâmide.
No topo, sim!
Não, isso não podemos garantir.
Pode, pode claro, pode ser comido por um leão,
sem dúvida.
mas não se preocupe, provavelmente morrerá de uma forma bem mais estúpida.
Mas está equipado com o último grito de programação genética,
está, vem com a última versão
homo sapiens sapiens.
A vida também tem sido disto
poder ser o rei da selva
mas viver obcecado no pavor de sentar o rabo no insecto errado.
Mas onde é que eu ía?
Na vida,
que foi acontecendo — isso!
e a vida foi acontecendo
e o nevoeiro foi-se instalando
e com esse breu é que se viu bem
que os limites que desvaneceram
nunca lá tinham mesmo estado.
e a vida foi acontecendo
e o que era bom ficou ainda melhor quando revisto
e o que era mau ficou bom também
e o contrário disto também se verificou profusamente
e as parcelas eram já tantas
que a matemática se complicou a um ponto
que decretaram:
já não havia computação que chegasse.
para aquela conta
para uma resposta.
e qualquer resposta que se dê
sabemos
que só sabemos
é que está errada.
sábado, 30 de novembro de 2019
terça-feira, 4 de junho de 2019
I Am Just Like... Such a Perfectionist
De maneira que após várias décadas a consumir muitos produtos, muitas vezes, e sempre muito diferentes e diferenciados, a evolução natural foi transferir todas as metodologias do marketing para o ser humano e reduzir a sua dignidade a pó da calçada. Sou a minha própria marca. Sabemos estes chavões do mundo empresarial de cor e somos tão cool e profissionais no LinkedIn, a arena dos gurus do marketing pessoal. Alguns desses gurus, com quem nunca falei na vida, resolveram dar-me os parabéns através do chat da plataforma. Certamente que no website LinkedIn 101 há um guia de protocolo para o sucesso que salienta a letras gordas a importância de inundarmos desconhecidos com cordialidade frívola. É um assunto sensível para mim que sempre apreciei bastante o meu aniversário. Sabe-me bem celebrar-me a mim própria junto dos meus e por isso estes parabéns de aviário vêem, de certa forma, tirar o sabor aos parabéns caseiros.
Mais uma entre cem cães a um osso, todos muitos básicos e cinzentos, todos a tentarem destacar-se mas não suficientemente inovadores para serem considerados aquela mais-valia que faz fit com o cargo. Pobre de mim que não tenho um CV avant-garde, agora a moda é o fluorescente e o elevator pitch, as skills, o RH, o headhunter, o talent spotter, o workaholism, o briefing, o forcing, as milestones, o achievement, a performance, as buzzwords, o STRESS....
Focada no slogan que me vai vender melhor em entrevistas, a deixar de almoçar comida, têm-me servido networking temperado com contactos e influências, um bocado indigesto para mim que até adoro conversar à refeição mas o meu estômago é muito sensível à pressão.
segunda-feira, 8 de abril de 2019
Ensimesmando
Demorada caminhada esta, os minutos sabem-me a horas, sem fim à vista e se ao menos passasse uma aragem, uma brisa que
disfarçasse este silêncio nem que fosse só um bocadinho. Nunca mais lá chegamos
para dar meia volta e voltar para casa, ao meu silêncio, intencional e
não imposto por este bando de mal conhecidos taciturnos e abafadiços, acho que
isto se pega, às tantas fujo e ninguém dá por ela ou se calhar tento entabular
conversa, mas só mais uma vez que a minha vida não é isto de ser mestre de
cerimónias acidental. Se não pegar falatório amuo e calo-me de vez e fiquem para aí nesse
minuto de silêncio perpétuo que eu francamente não entendo, ainda nem sequer é
Páscoa, e ainda que fosse vocês nem são católicos, portanto para quê tanta
solenidade? É que se era para estarem calados a tarde toda não tinham vindo. Nem vocês,
nem eu. Embaraçoso desperdício de um sábado perfeitamente razoável na vossa companhia e não
me lixem que não sou eu a tagarela, são vocês que são mal educados e isto já me começa a doer. Sou menina para apreciar um bom silêncio entre amigos ou família, agora, nós
não andámos juntos na escola, não temos intimidade para isto, caminhar de olhos colados no pés e a moumar monossílabos. Na minha terra fala-se e se não há assunto inventa-se, pois, não andamos neste mundo para fazer só o que nos apetece, em nome da convivência
façam o favor de disfarçar o desinteresse e se a desculpa é a língua ser diferente digam que eu também falo
gestos, se for preciso, agora esse encolher de ombros não transmite nada e esse acanhamento está a tornar-se físico, eis que o pescoço baixa e o tronco se contrai, quase que desaparecem - o que nem seria a pior coisa. Virem ser bicho do mato para tão longe... Olha, sempre
chegámos, não há mal que sempre dure, vamos só então ali provar um chisquinho
de aligot para isto ter valido a pena,
que nem eu, nem vócês temos isto em casa, depois vou-me embora que não aguento
mais, se quiserem ficar, sim senhor!, eu vou indo e encontramo-nos por aí, ou se
Deus quiser então não, pelo menos se depender de mim não me apanham noutra.
Numa próxima pergunto quem vem, não é coisa elegante de se fazer, mas este deserto de conversa está longe de constar no meu protocolo.
Nunca me apareçam num elevador.
quinta-feira, 7 de março de 2019
Crise idiopática
hoje sofro de existencialismo agudo
será que a bolha especulativa da vida-para-além-da-metafísica rebentou?
ou será só por ter dormido mal?
ontem com este mesmo cadastro e menos um dia de saber
eu era todo agir.
hoje sou só pensar.
e dói-me tudo o que penso.
e razões na vida nunca faltam
(para o lado que se quiser)
mas ontem com o mesmo histórico
eu era um tipo jovial.
desde ontem nenhuma namorada me deixou,
nenhum dos meus sonhos se materializou numa espectável decepção,
nem mesmo o meu chefe me ralhou por um qualquer não-assunto.
enrolo - me na primária posição fetal
e concluo redondo:
a causa
fará parte da tríade habitual -
ou é fome, ou é sono, ou é só uma merda idiopática.
será que a bolha especulativa da vida-para-além-da-metafísica rebentou?
ou será só por ter dormido mal?
ontem com este mesmo cadastro e menos um dia de saber
eu era todo agir.
hoje sou só pensar.
e dói-me tudo o que penso.
e razões na vida nunca faltam
(para o lado que se quiser)
mas ontem com o mesmo histórico
eu era um tipo jovial.
desde ontem nenhuma namorada me deixou,
nenhum dos meus sonhos se materializou numa espectável decepção,
nem mesmo o meu chefe me ralhou por um qualquer não-assunto.
enrolo - me na primária posição fetal
e concluo redondo:
a causa
fará parte da tríade habitual -
ou é fome, ou é sono, ou é só uma merda idiopática.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019
tempo, tempero e temperamento
hoje o ar está turvo
e as cores desbotadas
e o sítio onde me curvo
é:
feio
frio
asqueroso
e eu sou:
solitário
risível
gasto
cansado
depletado
do que nos completa
e este poema é:
fruto
indissociável
dessa condição.
e a aura que eu cuspo
em letras
não pode ser mais leve
quem me dera a mim!
pudesse eu andar esticado, hiperextenso como a proa de um barco!
mas hoje está mau tempo
e eu sou um ser humano
sensível
às alterações meteorológicas.
A humidade vem imperceptível
estando o tempo para mudar
e já me doem as juntas do esqueleto
da alma.
os humores do tempo
sempre se fizeram sentir em mim.
O frio por exemplo é uma condição que muda um sujeito.
e a identidade será uma merda tão fraca
como uma tabuleta de direções que gira com o vento
e portanto está, quase sempre, a apontar o erro
recomendando-o.
e o que é isso afinal,
da identidade?
algum fio que me defina e ao qual eu deva alguma obediência?
e se me apetecer
a cada novo dia
ser exactamente o contrário do que me definia ontem?
ser exactamente o contrário do que me definia ontem?
e se quando isso me definir
me apetecer ser o mesmo por dois dias
só para também por isso não ser definido
ou identificado?
um anonimato último
em que nem eu saiba quem sou.
que não sei!
também nunca mo ensinaram
nem eu quis aprender.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2019
sou-dade
sou-dade
e nem sei do quê.
ser dado sem ter uma causa
ou ter tido e já nem me lembrar.
só dá de noite algum descanso
sempre quando o sono vem
sondando e, súbito, ataca.
sem dar de mim fé
sou levado
e lá é que se está bem.
e nem sei do quê.
ser dado sem ter uma causa
ou ter tido e já nem me lembrar.
só dá de noite algum descanso
sempre quando o sono vem
sondando e, súbito, ataca.
sem dar de mim fé
sou levado
e lá é que se está bem.
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019
Passarinho
Penso essa hora
E não me assusto
Por achá-la longe
Por saber-te robusto,
Por sentir-te longe
Desde sempre.
Sempre longe
- Adivinhava.
É o para sempre
Agora,
Ao ires embora,
Que custa,
Como não achava.
E não estava muito
errada
Porque não te lembro por
tudo
E por nada,
Só quando uma japoneira
Espreita de um muro
Para a estrada
Me penso à tua beira.
É quase nunca
E quase nem é
De tão leve.
Esta leveza pesada
Qua faço com ela?
A raiva é danada
E não me serve,
Por te conhecer feliz
Como é raro -
Não por curteza.
Por insolência
De não te seres
contrário -
Com bendita certeza,
Consciente do mundo,
Assombrosa a beleza
Que absorveste,
profundo.
No ruído
E entre o buliço
Tu
Foste,
Sempre,
Só isso.
Tinhas, pois, afazeres.
Bom que fizeste muito,
Isso serve-me um
bocadinho
Que servisses o teu
intuito,
Livre para correres.
Que nunca se prenda
Um passarinho.
Não me serve o que diz,
Gente que vai e vem,
De ficares querubim
Não sei do que falam
Vejo-te um arbusto
E não percebo latim.
Não vejo tão
profundamente.
Mas se te encontro em
mim,
Serve-me um bocadinho
Que voes um pouco em nós,
Vetusto.
E, como sempre,
- Nisso consigo ser
crente -
Prossigas noutra gente.
sábado, 9 de fevereiro de 2019
quatro voltas
quatro voltas
bem redondas
para fugir a uma obrigação.
ir de encontro a nenhum lado
por atalhos apertados
que não prometam senão
ineficiência.
um ar que espelhe na cara
uma receita bem nivelada
de cansaço e desesperança.
que traduza o esforço de fazer que se faz,
mas que se leia como a estafa de quem já muito fez.
que o estouvado é também
um homem dedicado!
mas a uma outra missão.
bem redondas
para fugir a uma obrigação.
ir de encontro a nenhum lado
por atalhos apertados
que não prometam senão
ineficiência.
um ar que espelhe na cara
uma receita bem nivelada
de cansaço e desesperança.
que traduza o esforço de fazer que se faz,
mas que se leia como a estafa de quem já muito fez.
que o estouvado é também
um homem dedicado!
mas a uma outra missão.
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